A vitória de Lula traz uma novidade para o Instituto Update e para as muitas outras organizações da sociedade civil que nasceram por volta de 2015, na conturbada etapa final da gestão de Dilma Rousseff: pela primeira vez teremos um governo com o qual será possível dialogar e construir uma agenda conjunta. Durante os longos e sombrios últimos anos tivemos que lutar, acima de tudo, para não perder direitos e não retroceder como democracia. Agora, finalmente, poderemos respirar e nos dedicar a olhar para a frente. Ganhamos tempo, mas ainda há muito a ser feito para reconquistarmos a normalidade.
O momento traz algum alívio porque teremos enfim um cenário propício, com diálogo e vontade política, para que possamos novamente avançar como sociedade. Muitas das pautas prioritárias do Update, como a de representatividade na política, encontram ressonância no governo Lula. Mas isso não significa que o trabalho daqui para a frente será fácil. Existe uma bomba-relógio que ainda nos ameaça; o que mudou é que agora temos um pouco mais de tempo para tentar desarmá-la.
Os desafios serão – e já são – enormes. O Brasil, como o noticiário, as redes sociais e os aplicativos de mensagem não nos deixam esquecer, está dividido. É mais do que isso, na verdade: uma imensa parcela da população parece não ter estruturada uma visão democrática de país. As manifestações que vêm ocorrendo desde que os resultados do segundo turno das eleições foram oficializados não são por Bolsonaro. O que elas pedem, mais descarada e intensamente do que nunca, é uma intervenção militar. Uma ruptura democrática com nome e sobrenome.
É por isso que nossa atuação agora precisa se voltar em grande parte para as bases da sociedade – algo que já fazemos a partir de pesquisas e processos de formação, como as do programa +Representatividade. O foco deve estar em expandir a possibilidade do diálogo, na tentativa de compreender por que tanta gente vem almejando, de maneira tão contraditória, buscar uma suposta “liberdade” fora dos limites da democracia. Em outras palavras, precisamos restabelecer contato quem não votou em Lula – e isso representa mais da metade dos eleitores brasileiros.

Nesse sentido, um dos principais focos do Instituto Update são as mulheres. Realizamos, em 2022, uma série de pesquisas apresentadas e analisadas no livro Feminismo em disputa (Editora Boitempo), que escrevi com as pesquisadoras Camila Rocha e Esther Solano. Os resultados evidenciam a necessidade da criação de novas estratégias para entendermos como os feminismos se articulam com as necessidades e as diversidades das mulheres brasileiras para gerar diálogos construtivos em torno de valores comuns.
São dados que mostram que não são apenas as feministas que querem ampliar os direito das mulheres no país, que desejam ver um combate efetivo à violência de gênero, que defendem a equiparação salarial, que apoiam uma maior participação feminina na política e que votariam em uma mulher negra para presidente. Essas também são, sim, demandas das mulheres que se definem como conservadoras.
O que falta é sermos capazes de dialogar entre bolhas – o que quer dizer que, para início de conversa, progressistas precisam deixar de lado preconceitos e julgamentos a respeito desse “outro lado”. Mas, claro, não é só isso. Se não buscarmos maneiras de evitar e enfraquecer as fake news, que são a grande arma desdemocratizante utilizada hoje pela extrema direita, vamos seguir falando com as paredes. Pois é o poder nocivo das fake news, estimuladas pelas milícias digitais financiadas por Bolsonaro e seus apoiadores, que tem atiçado comportamentos antirrepublicanos e antidemocráticos entre a população. São elas que criam esse grande cenário de guerra em que estamos vivendo.
O momento é de fazer com que a nossa mensagem, a mensagem da democracia, da verdadeira liberdade, chegue a essas pessoas – a todas as pessoas. Esse é um dos papéis da sociedade civil neste momento. Há tempos em que é possível caminhar lado a lado a governos alinhados à nossa visão. Sem perder o olhar crítico, podemos nos unir pela construção de um país melhor.
Todos que fizemos parte da frente democrática que se saiu vitoriosa nas eleições presidenciais têm agora a missão de derrubar esse imenso muro que foi erguido em nosso país para assegurar que, assim como a Terra é redonda, não existem dois Brasis.
Beatriz Della Costa é diretora e cofundadora do Instituto Update