A experiência das Frentes Parlamentares Ambientalistas

Redação: Mônica Ribeiro; Edição: Marcelo Bolzan e Mariana Belmont.

As Frentes Parlamentares Ambientalistas são espaços de articulação importantes em torno das agendas climática e ambiental. Bem estabelecidas no Congresso Nacional e com alguns bons exemplos em Assembleias Estaduais, as Frentes começam a ser conhecidas e articuladas também em municípios, junto às Câmaras de Vereadores, e são potencialmente espaço de promoção de articulação entre parlamentares nas três instâncias sobre mesmas incidências, em especial diante do cenário de desmonte ambiental vivenciado pelo país neste momento.

O Gabinete de Inovação* reuniu para debater o tema Mario Mantovani, um dos fundadores e articuladores da Frente Parlamentar Ambientalista e responsável pela área de advocacy na Fundação SOS Mata Atlântica; Marcos José de Abreu, o Marquito, vereador em Florianópolis pelo PSOL em seu segundo mandato, responsável por propor e aprovar a Frente Parlamentar Ambientalista na Câmara Municipal de Florianópolis e coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista dos Vereadores; e Maria Marighella, vereadora em Salvador pelo PT que participa da Frente Parlamentar Ambientalista dos Vereadores, neta de Carlos Marighella e integrante da manifestação cidadã ManifestA ColetivA, por meio da qual se elegeu em 2020.

Este foi o terceiro dos seis painéis que reuniram especialistas da sociedade civil organizada e legisladores com equipes de mandatos de vereança eleitos pela primeira vez em 2020. 

Confira abaixo os destaques do encontro: 

Como nascem as Frentes Parlamentares Ambientalistas

Mario Mantovani traça um histórico da atuação pelo meio ambiente no país até a constituição das Frentes Parlamentares Ambientalistas. Aponta que, embora na década de 1970 não houvesse um movimento ambientalista constituído no país, a Conferência de Estocolmo, realizada em 1972, reverberou de algum modo, e que na época ele atuava para fazer um ‘meio de campo’ na tradução do que se desenhava no mundo – o pensar global e agir local – no país.

Ele destaca:

● A agitação do movimento Diretas Já e a elaboração da Constituição de 1988, em especial a construção do capítulo sobre meio ambiente.

● A mudança no posicionamento do Brasil, que passa a ser um protagonista na Eco-92.

● Criação da Rede Mata Atlântica e necessidade premente de transformar tudo o que estava no capítulo ambiental da Constituição em realidade, o que se traduziu, por exemplo, no processo de criação da Lei da Mata Atlântica, a fim de assegurar o que restava do Bioma como patrimônio nacional.

Mário define a atuação dentro do Congresso Nacional para assegurar a aprovação da Lei da Mata Atlântica foi um grande aprendizado. Vários tipos de manifestação foram realizados a fim de ter a atenção, entendimento e simpatia dos parlamentares para a causa, envolvendo plantios, mobilização com crianças e muito mais nos 14 anos que se seguiram do início desse movimento até a criação da lei.

“Até então, o que a gente conhecia do que hoje chamamos de advocacy chamava-se lobby. E era uma coisa muito ruim, porque quem tinha dinheiro dava presentes para deputados, ia a restaurantes, fazia tudo de mais odioso para comprar [os posicionamentos]. E nós, o que podíamos fazer? Tínhamos acabado de lançar a campanha Estão tirando o verde da nossa terra. Buscamos informação qualificada, trazendo o primeiro mapeamento da floresta com o INPE como uma ferramenta para que a gente tivesse uma maior incidência”.

E na esteira dessas reflexões surge a ideia da Frente Parlamentar Ambientalista. Já existiam várias frentes em atuação no Congresso, e o movimento foi criar uma Frente diferente, em que todas as reuniões fossem abertas, com a participação da sociedade. O Estatuto da Frente Parlamentar Ambientalista, destaca Mário, permitia a presença da sociedade civil e do parlamentar no mesmo patamar de decisão, algo muito inovador dentro do Congresso.

A Frente se reunia em cafés da manhã, que tinham a presença de apoiadores e opositores interessados nos temas pautados. O encontro acontecia sempre duas horas antes de começarem as Comissões do dia, e o tema a ser abordado nas Comissões era debatido abertamente, de onde se tirava um posicionamento. Os cafés aos poucos foram reunindo também imprensa e assessorias, chegando a ter centenas de pessoas presentes em alguns casos.

Hoje a Frente se reúne de um jeito diferente, online, por causa da pandemia, e Mário destaca a pluralidade de posições e partidos dos coordenadores a cada mandato.

“O principal da Frente Parlamentar Ambientalista é que se inicia uma nova forma de fazer política em Brasília, que vem depois a ser chamada de advocacy. Nada escondido, tudo transparente. Esse é o nosso papel”.

Ainda na questão da transparência, Mário destaca a criação do Observatório das Leis, pelo qual é possível acompanhar legislações amigas e inimigas do meio ambiente.

As Frentes Parlamentares Ambientalistas Estaduais não demoraram a surgir como desdobramento buscando, em cada Assembleia, deputados que levassem os temas de Brasília para os estados. O fortalecimento dessas redes fez, por exemplo, com que a discussão sobre o Código Florestal acontecesse em todas as Assembleias, o que trouxe grande impacto para o movimento de advocacy em torno do tema.

A Frente Parlamentar Ambientalista dos Vereadores tem sido o passo seguinte.

● Testes de campo iniciaram o processo com vereadores no Paraná, em São Paulo, em Campo Grande.

● O modelo funciona muito bem e aos poucos vai se expandindo para mais municípios.

● Marquito é o coordenador dessa Frente.

Quais os desafios de se ter uma agenda socioambiental no município?

Em seu segundo mandato, Marquito destaca que a agenda ambiental de seu gabinete é na verdade a agenda ambiental da cidade de Florianópolis, que possui uma série de coletivos, movimentos sociais, entidades, organizações, universidades, centros de pesquisa, os próprios servidores públicos municipais, estaduais e federais, e que tocam os temas ambientais.

“Florianópolis tem 97,3% do território em uma ilha, e 2,7% no continente. Mas no continente vive quase 20% da população. É uma região muito adensada, onde atuamos durante muito tempo com agricultura urbana e compostagem, com a Revolução dos Baldinhos”.

A cidade, prossegue ele, tem também tradição de pesca artesanal e turismo, mas fala-se pouco das características ambientais tão qualificadas do território. Um conjunto de unidades de conservação de diferentes categorias cobre 25% da área da cidade.

Segundo Marquito, Florianópolis é também uma cidade que historicamente esconde a pobreza e trata mal as comunidades tradicionais, por não ser de interesse do mercado a sua valorização. Uma cidade em disputa pelos espaços e que vive historicamente a especulação imobiliária.

“Temos um tecido social que reverbera a necessidade de políticas ambientais e puxa a própria política para essa defesa. Temos trazido a discussão sobre a necessidade de valorizar os povos tradicionais. E temos que fazer um trabalho de garantir a política de meio ambiente como um todo: saneamento básico, resíduos sólidos, planejamento e ocupação do solo, que é a grande política nos territórios. Por tudo isso a gente briga e enfrenta”.

O vereador aponta que o mandato tem uma visão ambiental sistêmica, levantando questões como agroecologia, segurança e soberania alimentar e nutricional, economia solidária e a natureza como sujeito de direitos.

O Gabinete do vereador aprovou o projeto de lei Floripa Zona Livre de Agrotóxico, aplicável à área peninsular da cidade, fundamental, segundo Marquito, no debate sobre ruralidades e agriculturas, além de resposta à estrutura do agronegócio e da indústria dos agrotóxicos.

A legislação que reconhece a natureza como sujeito de direitos é resultado da alteração de um artigo da Lei Orgânica Municipal, e hoje está sendo usada por juristas que constroem uma ação civil pública na perspectiva de proteger a Lagoa da Conceição.

Ele destaca o processo de elaboração de legislações específicas, construídas de modo customizado para o território por meio de laboratórios com o tecido social. Isso culminou na aprovação, por exemplo, de uma lei que proíbe o envio de resíduos orgânicos para o aterro sanitário, de modo gradativo, até 2030.

Outros temas em pauta são Pagamento por Serviços Ambientais para catadores de material reciclável, reconhecimento da água e saneamento básico como direitos humanos e alteração de legislações para permitir sistemas individuais de saneamento ecológico, a partir da perspectiva das crises sanitárias que ocorrem no município são outros pontos trazidos pelo mandato.

No segundo mandato, o gabinete cuida agora dos desafios da execução das leis.

“A tarefa maior é tentar desarmar as grandes estruturas e/ou organizações criminosas que envolvem agentes públicos, empresariais, para o interesse de burlar leis e desqualificar a legislação ambiental para seus interesses econômicos. E não deixar que esses interesses e organizações façam o trabalho de criminalizar as populações mais pobres, as comunidades e povos tradicionais, na perspectiva de colocá-los como os agentes de destruição da natureza. Este é um embate necessário”.

Na primeira legislatura, o vereador coordenou algumas Frentes Parlamentares na Câmara Municipal de Florianópolis, em prol do saneamento básico, das unidades de conservação e em defesa dos mares. Desde o final de 2019 vinha conversando com os participantes dessas Frentes, a sociedade civil, sobre a disposição de fundir essas ações em uma única Frente Parlamentar Ambientalista.

Quase simultaneamente, Marquito teve uma provocação, vinda da Rede de Entidades da Mata Atlântica, no sentido de se tornar coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista de Vereadores. E aceitou. O vereador avalia que a tarefa é articular os municípios, as Câmaras de Vereadores e gestores que têm sensibilidade para o tema, de modo a constituir um espaço de diálogo e construção.

“O desafio é chegar cada vez mais a um maior número de vereadoras e vereadores pelo país, trazê-los conosco para construir essa agenda comum, ter entre nós esse amparo. Porque vamos enfrentar lutas locais, e ter uma organização articulada nacionalmente nos fortalece muito para isso. E também nos fortalece para mostrar, no nível federal, o quanto a não política, ou a necropolítica, interfere diretamente na vida concreta e diária das pessoas”.

Um levante nas cidades por um outro tipo de desenvolvimento para o Brasil

Em seu primeiro mandato, Maria Marighella já é coordenadora da Frente Parlamentar Ambientalista na Câmara Municipal de Salvador. Evocando o impeachment da presidente Dilma Roussef, em 2016, como episódio que a fez despertar para a dimensão dos rumos que tomavam o país e ser parte da ebulição que tomou conta do Brasil com a insurgência de mulheres, mulheres negras, ambientalistas, atividades e estudantes se organizando.

“Sujeitos que participam e participavam da vida política, mas não tinham espaço prévio constituído. E nesse contexto mulheres vão às ruas, estudantes ocupam escolas, atividades de cultura ocupam os prédios do ministério da cultura. É dali que surge a força Marielle Franco e tantas outras parlamentares que nos enchem de esperança e sentimento de urgência”.

Naquele momento, Maria se aproxima do Ocupa Política, plataforma que reúne experiências de ocupação da política institucional, e conhece Marquito, já então vereador em Florianópolis. Em 2020, é parte do movimento ManifestA ColetivA, quando percebe que a reação ao movimento autoritário e retrógrado que se instala no país surgiria por meio das cidades e se candidata, em uma campanha que ela define como uma disputa radical sobre modelo de cidade/sociedade.

O programa da campanha, em diálogos pela cidade, trouxe dez eixos de luta, tendo a cultura como eixo principal e prioritário. Embora não houvesse um eixo ambiental, Maria o percebe nitidamente expresso no eixo do direito à cidade.

“Salvador é uma cidade que tem parques aquáticos, como o Abaeté, o São Bartolomeu. Tem uma cultura de mariscagem, de pesca, questões de natureza cultural, de patrimônio. E o que é isso senão um ativo de cultura, uma riqueza, algo que propositadamente não é reconhecido para que justamente não seja compartilhado?”.

Logo após as eleições, Maria encontra Mario na Frente Parlamentar Ambientalista da Bahia, na Assembleia Legislativa, e o contato dispara uma espécie de chamado. Ela diz que logo percebeu que a questão ambiental está no centro do debate de um outro modelo de desenvolvimento, de um outro projeto político, de emancipação coletiva, de distribuição, em que o bem-estar e bem viver da população seja a meta prioritária da gestão e das políticas.

“Defender o meio ambiente é essencialmente defender a vida. E é isso que nos impulsionou em relação à Frente e que nos convoca. Fazemos parte de um levante, por todas as cidades, de um modelo de desenvolvimento para o Brasil. E, sem dúvida alguma, nós fazemos parte dessa transição e desse desafio, e não vamos recuar”.

Assista ao painel completo:

*O Gabinete de Inovação é um laboratório que reúne mandatos das casas legislativas de todo o país para construírem caminhos para a inovação nos parlamentos brasileiros. A iniciativa é do Instituto Update e Pacto pela Democracia. A edição de 2021 teve como tema “Um olhar local para o Clima”, e contou com apoio da Base.Lab, Clima de Eleições, Instituto Clima e Sociedade (ICS), Legisla Brasil, Purpose e Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS). Saiba mais em www.gabinetedeinovação.org.br 

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