Benny Briolli: A inovação política quanto prática de vida

Por Jéssica Cerqueira

Acordei no último 14 de maio pensando sobre as manifestações do dia 13, dia que marca a assinatura da lei áurea, o fim jurídico de um sistema escravagista. Fim jurídico porque os efeitos de mais de 300 anos de escravização de pessoas negras reflete hoje, na forma que vivemos, na forma que enxergamos o outro, na forma em que nos enxergamos, seja você uma uma pessoa negra ou não, branca ou não, isso interfere em como você se vê. Qual o seu lugar no mundo? Qual o seu lugar no Brasil? Dito isso! São apenas 133 anos após esse acontecimento, que só se deu por conta de pressões de diversos grupos já tinham suas liberdades conquistadas e por pressões externas, uma negociação internacional e econômica, sabe? 

Pois é, eu não sabia até 2009, apesar de viver os reflexos, simplesmente porque não se é contada a gravidade de nossa história e não foram criadas outras leis de reparações efetivas. Temos hoje uma grande conquista do movimento negro que é a lei de cotas em diversos orgãos e universidades, mas que são questionadas em diversos momentos e em várias instancias. Gosto de contextos históricos porque nos localiza no mundo e nos dá indícios de onde as imaginações coletivas partem e qual vida está sendo vivida hoje. É onde encontramos a Vereadora Benny Briolli (PSOL), democraticamente eleita com 4.367 mil votos em Niterói/RJ, mulher trans/transexual negra, a mulher mais votada em sua cidade em 2020, a primeira pessoa trans em seu Estado, aos 29 anos.

A Vereadora Benny Briolli, assim como outras 29 pessoas trans foram eleitas em 2020, segundo o levantamento da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) são pessoas que em conjunto com muitas outras pessoas conduzem a imaginação política para outras realidades que não chamo de novas, mas para outras realidades que eram invisíveis para o olhar padrão dos que já estão nos poderes. São visões que alteram o que se entende ou se entendia, do que é: Ser uma pessoa política? Um sujeito de direito? Como se vestem? Qual a sua cor? Qual a sua idade? Qual o seu gênero? Onde mora? Sua orientação sexual? São imaginações políticas essas que já estão em acontecimento no plano real e que chocam o status quo, que mexe com as bases normativas e racistas fundadas lá atrás nos 300 anos que falamos, lembra? E que vão ainda mais adiante quando falamos de pessoas indígenas. Todas as pessoas deveriam se perguntar, quanto custa desafiar as estruturas? Quanto custa encher os pulmões de ar e gritar vida enquanto disputa esse imaginário coletivo? De quem é o direito de legislar? Quais são os mecanismos de defesa dessas pessoas? Já que as ferramentas de estado não foram criadas para elas, e sim contra elas. O que a sociedade civil organizada tem com isso? 

No dia 14, quando vi a notícia de Benny ter saído do país para assegurar a sua integridade física e sua vida, após um dia de março de luta, após uma semana em que a chacina o jacarezinho também ocorreu, a pergunta que gritou alto aqui dentro e na voz de muitas, foi: DEMOCRACIA PARA QUEM?  Se uma vereadora eleita precisa se proteger fora do território nacional, como chamamos isso? Se pessoas são mortas por agentes do estado, como chamamos isso? Benny vem sofrendo ameaças de morte desde sua campanha eleitoral até hoje, 5 meses após a sua posse. São 4367 mil votos desrespeitados, um ataque direto a liberdade, um impedimento do pleno exercício do seu mandato, uma violência política de gênero que se torna ainda mais perigosa por ter precedentes como os ataques as vereadoras trans em São Paulo, Samara Sosthenes, do mandato coletivo Quilombo Periférico, Érika Hilton e Carolina Iara da Mandata Feminista. A prefeita de Cachoeira/BA também tem sofrido ameaças, assim como a deputada federal Taliria Petrone, da mesma cidade de Benny. E a Marielle que não teve tempo de buscar segurança. São ameaças a pessoas que estão disputando o conceito de humanidade, aproveitando as brechas para construção de novos mundos em exercício da democracia. São ataques diretos à democracia brasileira, a mesma que segundo o Instituto Variações da Democracia (V-Dem), em conjunto com a Universidade de Gotemburgo, na Suécia, nos coloca em 4º lugar de países que mais se afastaram da democracia em 2020, e que ainda sobre o índice, temos tido quedas desde 2015. 

Em 2018, quando construímos o Emergência Política Periferias, criamos o que chamamos de laboratórios de direitos constitucionais. O primeiro laboratório, o de Direito à Existência é onde a gestão das urgências são colocadas em primeiro plano para que existir seja uma realidade e assim construir futuros, acessos a educação, cultura, políticas públicas e chegar em um lugar de participação política na sociedade para ocupar espaços de poder e iniciar uma nova jornada de transformações internas da política institucional que podem e devem reverberar em quem está na gestão das urgências. Benny é uma dessas inovações políticas na prática, olhando seus protocolos e documentos de indicações na câmara de Niterói, no dia 27/01/21 foi protocolada a sugestão de uma publicização massiva sobre os atendimentos a pessoas transgeneres no ambulatório João W. Nery, assim como a inclusão de absorventes nas cestas básicas dos munícipes de Niterói, a criação de plano de carreira de servidores do SUAS e outras zeladorias da cidade, sendo muitas em favelas.

Quando ouço as mais velhas, vejo o quanto são passos geracionais, são existências remontadas com estratégias ancestrais e que hoje possibilita que seja nomeado o racismo estrutural e institucional que permeia as instituições que organizam a sociedade brasileira. São violências que visam o encerramento de vidas que ousam ser além do que está no imaginário e o possível avanço e refinamento da democracia onde, a transparência, e as imaginações sejam mais complexas para possam dar conta das pluralidades dos sujeitos políticos. Benny e tantas outras representam isso, nutrem os sonhos de quem nunca foi permitido sonhar e existem para que tantos outros possam existir. Uma ameaça a uma mulher negra e trans eleita, é uma ameaça coletiva, vibra em corpos negros, corpos trans, corpos de mulheres, corpos empáticos e conscientes.

Foto do Instagram da Vereadora Benny Briolli

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