A revisão da lei de cotas merece a nossa atenção

Prevista em lei, a revisão das cotas nas instituições de ensino superior precisa da atenção de toda a sociedade para garantir esta importante política de reparação histórica!

Sancionada em agosto de 2012 pela presidenta Dilma Rousseff, a Lei nº 12.711 garante a estudantes autodeclarados pardos, negros e indígenas cotas em processos seletivos para ingresso nas instituições de ensino superior. Dez anos depois, esta lei passará por uma revisão que pode ser perigosa. Quer saber mais sobre este assunto? Continue a leitura! 

A Lei de Cotas e a reparação histórica 

Nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros”. É com esse dado que os Racionais MC’s começam a cantar “Capítulo 4 Versículo 3” e denunciam uma triste realidade nos anos 90: o baixíssimo acesso de estudantes negros nas universidades. 

Esse percentual era reflexo de algo muito maior: a ausência de políticas de reparação histórica dos males causados pela escravidão. Aos sobreviventes da escravidão e seus descendentes só restaram o abandono e a negação do que a escravidão significou para essa população. O mesmo vale para os povos indígenas que foram vítimas de várias ações genocidas ao longo da história brasileira. 

Populações inteiras sem acesso à saúde,moradia e, sobretudo, educação num país totalmente estrangeiro. Pessoas tiradas à força de seus países de origem para serem exploradas e posteriormente, serem entregues ao descaso. O fim da escravidão não significou o fim desse ciclo perpetrado pelo racismo e pelo capitalismo. Políticas públicas para reparar esses males são urgentes no Brasil – que foi o último país das Américas a abolir a escravidão. 

Nesse sentido, a Lei de Cotas é um importante instrumento para reparar um dos muitos males herdados deste triste período. A Lei de Cotas prevê que 50% das vagas nas instituições de ensino superior devem ser destinadas a estudantes vindos de escolas públicas. Além disso, 25% dessas vagas devem ser destinadas a pessoas com renda familiar menor que 1,5 salário mínimo e os outros 25%  são para estudantes que cursaram os 3 anos do ensino médio em escolas públicas com renda familiar superior a 1,5 salário mínimo. As cotas raciais fazem parte destes 50% de vagas reservadas obrigatoriamente por lei e seu percentual deve seguir os dados dos censos demográficos de cada estado. 

É importante dizer também que esta lei é fruto das ações e lutas dos movimentos negros que há décadas pressionam governos brasileiros a criar políticas públicas que garantam direitos a toda essa população. Para saber mais sobre essa articulação, ouça o episódio do podcast Mano a Mano com a filósofa Sueli Carneiro. 

Créditos: Alma Preta

10 anos depois e o que mudou nas instituições de ensino superior

Se em 1990, os Racionais falavam em 2% de alunos negros nas universidades, hoje o cenário é outro. Estudos do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 2020 apontam que entre 2009 e 2015 o acesso de pessoas negras e pardas nas instituições de ensino superior aumentou 25%. Levantamento do IBGE mostra que entre 2010 e 2019 o número de alunos negros no ensino superior aumentou 400%. Isso representa 38,15% de alunos negros matriculados nas instituições de ensino superior. 

Esse crescimento também é notório quando se fala de estudantes indígenas. Dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) revelam que em 2018, cerca de 57.706 indígenas foram matriculados nas universidades. Tal dado em comparação a 2010 representa um crescimento de 695% pois em 2010 havia apenas 7.256 indígenas matriculados. 

O reflexo do ingresso dos alunos negros e indígenas nas instituições de ensino superior se faz presente na produção acadêmica – já que hoje temos mais pessoas negras e indígenas no campo acadêmico fazendo trabalhos com uma outra perspectiva. Além disso, o número de professores negros também aumentou nos últimos anos. De acordo com o IBGE, 16,4% dos professores nas instituições de ensino superior são autodeclarados negros.  Deste total, cerca de 31,3% possuem o título de doutor e 45% possuem o título de mestre. 

Revisão da Lei de Cotas e as ameaças por trás disso

Os números mencionados acima são importantes e representam os avanços obtidos ao longo dos anos. Porém, eles não são suficientes para uma população que representa 56% do país. A Lei de Cotas prevê a sua revisão a cada 10 anos e é chegada a hora de sua primeira revisão. A revisão em si não é algo que preocupa e sim, as articulações no Congresso Nacional para retirar o aspecto étnico-racial das políticas de cotas para o ingresso nas universidades. 

Existe um projeto de lei – nº 1531/2019 – que propõe a retirada dos mecanismos de cotas raciais tanto no ensino superior quanto no ensino médio. O projeto de lei nº 5303/2019 propõe a retirada de menções a cotas raciais na Lei de cotas. A alegação dos autores destes projetos de lei é a de que todos os brasileiros devem ser tratados pelo princípio de igualdade e colocam as cotas raciais como um privilégio que torna o processo seletivo desigual para alunos que não se autodeclaram negros, pardos ou indígenas. 

Tratar as cotas como um privilégio é um erro. As cotas não tratam as pessoas como privilegiadas e sim, como pessoas que tem algo muito caro a cobrar do Estado Brasileiro. Basta olhar nos últimos anos a quantidade de pessoas que foram as primeiras de suas famílias a concluir o ensino superior. Ou que se tornaram mestres e doutores. Boa parte dessas pessoas são negras, são indígenas, são pobres. A gente pode chamar de privilégio situações como essa num país onde 56% da população é negra? Num país onde temos um Estatuto que trata os indígenas como indivíduos tutelados? Num país em que 33 milhões de pessoas passam fome e 58,7% estão em insegurança alimentar? 

Portanto, fique de olho nas votações e debates sobre a revisão da Lei de Cotas. Ela é um importante instrumento de reparação histórica num país que tem tantas mazelas e, principalmente, dívidas com minorias. Acompanhe as votações e pressione os deputados federais de seus estados a votar pela continuidade desta lei – especialmente, no quesito étnico-racial. 

Isso é dever de todos nós!

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