Dos 37 ministérios do novo governo Lula, onze são comandados por mulheres e dez por pessoas autodeclaradas negras. Aqui vale ressaltar que a autodeclaração consiste na maneira pela qual cada pessoa se define em termos étnicos-raciais, algo que, muitas vezes, pode gerar controvérsias, e este texto não busca apontar ou analisar mecanismos de validação das autodeclarações. Mesmo se só levarmos em conta a questão de gênero, temos um avanço, um número maior que em qualquer gestão anterior, inclusive as do próprio PT. Ainda assim, está aquém tanto das possibilidades quanto das atuais demandas da população brasileira.
Um levantamento encomendado à empresa de opinião pública Netquest pela pesquisa +Representatividade, que coordeno ao lado de Débora Thomé no Instituto Update, mostrou que parte significativa dos brasileiros é favorável à representação paritária de mulheres e pessoas negras nos ministérios do novo governo Lula por, respectivamente, 41% e 39%. Por mais que tenhamos no atual governo um recorde histórico no que se refere tanto à presença de mulheres quanto de pessoas não brancas na liderança das pastas, é certo que muita gente esperava mais.
O que precisamos levar em conta, entretanto, é que, no contexto do presidencialismo multipartidário de coalizão, que é o caso brasileiro, a vontade do chefe do Executivo e de seu partido não é suficiente para promover a representatividade nos ministérios.

O presidencialismo de coalizão é uma estratégia de compartilhamento de poder implementada em democracias presidencialistas multipartidárias que, para facilitar a governabilidade, envolve a distribuição de cargos ministeriais a partidos parceiros. Com isso, a composição dos ministérios deve necessariamente levar em conta a força dos partidos que fazem parte da coalizão. Em outras palavras, o presidente da República precisa ceder espaço em seu governo, via pastas ministeriais, a partidos com poder no Legislativo.
Embora esse modelo de governança seja cada vez mais comum em todo o mundo, suas consequências para a diversidade da representatividade ministerial até aqui não haviam sido investigadas para o caso brasileiro. Isso fez com que eu, Pedro A. G. dos Santos e Kristin N. Wylie decidíssemos realizar o estudo acadêmico Gendering coalitional presidentialism in Brazil (O presidencialismo de coalizão por uma perspectiva de gênero no Brasil). A partir de uma análise quantitativa de todas as nomeações ministeriais feitas por oito presidentes entre 1985 e 2019, avaliamos a experiência brasileira com o presidencialismo de coalizão no que se refere à representatividade de gênero – como não existem dados sobre a autodeclaração racial dos ministros nas administrações anteriores, não foi possível realizar uma análise sistêmica a partir de um recorte de raça.
Nosso diagnóstico evidencia como a representação partidária tem consequências negativas para a representação política das mulheres. Ao repassar ministérios a outros partidos para viabilizar a governabilidade, o presidente da República acaba abrindo mão de parte de seu controle. E, levando em conta que cada partido da coalização tende a absorver poucos ministérios, as pastas acabam sendo distribuídas aos líderes ou nomes mais influentes desses partidos – que são, em sua maioria, homens brancos. Está aí a origem do problema.
Embora o presidencialismo de coalizão e a natureza da política eleitoral no Brasil não excluam explicitamente grupos minorizados das posições de poder, as dinâmicas de gênero e raça que estão na base da sociedade e, consequentemente, da política criam barreiras formais e informais para a entrada desses grupos. Temos, portanto, poucas mulheres e pessoas não brancas nos ministérios porque as mulheres e as pessoas não brancas ainda são minoria na política institucional.
A estratégia comumente utilizada pelo presidente da República é nomear mulheres e pessoas não brancas às pastas que estão sob o controle de seu partido – algo que ocorreu nos primeiros governos Lula, depois com Dilma e agora se repete, com, por exemplo, a nomeação de Anielle Franco para a Igualdade Racial, Margareth Menezes para a Cultura e Silvio Almeida para os Direitos Humanos e Cidadania. Trata-se, porém, de um caminho limitado. Uma segunda estratégia, combinada à primeira, é o aumento do número de pastas – já utilizada em outros governos e agora retomada.
O presidencialismo de coalizão, portanto, demanda um delicado equilíbrio entre as demandas de governabilidade e representatividade – o que não é nada fácil, mas é, certamente, possível. Se olharmos por esse lado, podemos dizer que o novo governo Lula não se saiu tão mal.
O sistema partidário altamente fragmentado e suas coalizões instáveis são, portanto, uma ameaça real à representatividade nos ministérios. Para avançarmos mais, portanto, precisamos, em primeiro lugar, de mais representatividade nos cargos eletivos. Para que isso aconteça, depende de muita coisa – sendo uma delas o nosso voto.
Malu A. C. Gatto é professora da UCL-Londres e coordena a pesquisa +Representatividade, do Instituto Update.