A importância da comunicação para a agenda climática

Redação: Mônica Ribeiro; Edição: Marcelo Bolzan e Mariana Belmont.

Diante da pandemia e das consequentes crises econômica e social, cidades de todo o mundo terão que trabalhar juntas para recuperar e garantir a saúde física e ambiental dos seus cidadãos. Isso dependerá da capacidade das lideranças de se comunicarem de maneira eficaz, demonstrando e percebendo os benefícios tangíveis da ação climática para o dia a dia dos cidadãos. 

Pesquisas realizadas pelo More Incomum, Climate Outreach e Yale identificaram vários públicos para os quais a comunicação sobre mudanças climáticas é viável e popular quando enquadrada de forma alinhada com seus interesses no dia a dia e quando apela para os valores mais defendidos pela população. 

Trazer a agenda climática para o centro dos mandatos demanda apoio popular para atuação, o que só se consegue por meio de comunicação e mobilização

Para debater o tema da comunicação e mobilização na agenda da emergência climática, o Gabinete de Inovação* reuniu Lígia Oliveira, especialista em marketing político e propaganda eleitoral pela USP, coordenadora de campanhas de comunicação e mobilização de causas sociais e ambientais na Purpose; Nathalia Rocha, jornalista pela Unesp com MBA em marketing e comunicação digital pela ESPM,  uma das criadoras da Rede Narrativas e estrategista sênior na Purpose; e Pedro Borges, jornalista pela Unesp, integrante da equipe do Profissão Repórter, da Rede Jornalistas das Periferias e da diretoria de comunicação da escola de samba Camisa Verde e Branco, além de cofundador e editor chefe da Alma Preta.

Este foi o quinto dos seis painéis que reuniram especialistas da sociedade civil organizada e legisladores com equipes de mandatos de vereança eleitos pela primeira vez em 2020. 

Confira abaixo os destaques do encontro: 

Como engajar e mobilizar para as questões climáticas?

Nathalia Rocha destaca que a agenda climática não mais deve ser tratada como algo separado dos grandes desafios a serem enfrentados nas cidades, sobretudo diante do contexto da pandemia da covid-19, que deixou claro o cenário de desigualdades sociais e a conexão delas com a agenda climática.

Para ela, a recuperação da pandemia e o olhar para a saúde das pessoas e para a natureza vai depender da capacidade de colocar a agenda de clima no centro do debate, de modo a engajar eleitores e ser capaz de comunicar a transversalidade da agenda em relação aos problemas estruturais das cidades.

Embora a agenda de clima seja global e envolva diferentes esferas, Nathalia acredita que nas cidades é onde se tem mais chance de promover de modo efetivo uma recuperação que seja verde e inclusiva e que leve em consideração os desafios da população no dia a dia, em especial para populações periféricas, indígenas e comunidades que estão mais vulneráveis diante das múltiplas crises do contexto atual. 

“Historicamente, o movimento climático acaba sendo muito uma disputa entre quem é a favor e quem é contra. E a proposta é trazer esse debate de uma forma que seja mais palpável, tangível. Olhar para além dos convertidos, para conseguir ganhar massa crítica em outros segmentos da população que também podem ter interesse e que de algum modo são também impactos pela discussão sobre clima e pelas questões adjacentes a isso”. 

Nathalia sugere não focar a comunicação em públicos negacionistas e buscar engajamento maior dos cidadãos que compõem a parcela da população que de algum modo está indiretamente conectada à agenda do clima, e também do grupo que está distante da pauta, mas que pode ser mobilizado e engajado se a narrativa de abordagem tangenciar problemas e valores caros a ele.  

Como dialogar e moldar a narrativa? 

Ligia Oliveira destaca resultados de pesquisas realizadas pela Purpose nos últimos dois anos, com um olhar para as mudanças climáticas e as prioridades dos brasileiros: 92% acreditam que o aquecimento global é uma realidade; 81% percebem a conexão entre eventos extremos e mudanças climáticas; e 2/3 da população sabe que a principal causa das mudanças climáticas é a ação humana. Apesar disso, as pessoas não vêem o tema como prioridade. 

Em maio de 2020, pesquisa rodada em Belém, Recife, São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro buscou entender quais eram as prioridades da população, e as questões que mais apareceram foram saúde, educação, segurança pública, emprego e saneamento básico

Assim, o primeiro ponto para promover essa comunicação seria conectar as mudanças climáticas com os problemas do dia a dia da população

O segundo ponto destacado por Ligia é a segmentação de públicos a partir da perspectiva de uma narrativa baseada em valores. Pesquisa da Purpose revelou que 24% das pessoas se definem como direita, 11% como centro e 22% esquerda. Mas 42% das pessoas não sabem qual a sua identificação com o campo político. Ainda, 59% se definem como conservadoras, 37% como progressistas e 4% não souberam responder. A mesma pesquisa investigou sobre valores morais defendidos pelas pessoas. E 79% delas defendem a honestidade como um valor, enquanto 74% defendem o cuidado

 “A agenda climática costuma ser vista de uma forma bastante técnica, e até um pouco elitista, que só olha para o futuro, cheia de números e dados. Essa perspectiva de conectar as agendas prioritárias da população com os valores e a agenda de clima seria uma forma um pouco mais engajadora de falar sobre mudanças climáticas. Em vez de falar sobre a agenda climática, a ideia é que a gente aproxime isso da população por caminhos como o de alimentação saudável, segurança alimentar ou mobilidade”.

Como exemplo, Ligia cita a abordagem da questão das emissões dos ônibus a diesel pelo prisma de que são os mais velhos das frotas que circulam nas periferias, e logo são os que mais emitem, sendo as populações periféricas as que passam mais tempo dentro desses ônibus, respirando o ar poluído. Assim, a estratégia seria trocar a narrativa sobre emissões por uma aproximação a partir do cuidado com a saúde. 

É importante ouvir a população para entender suas agendas prioritárias e conectá-las com a agenda climática. A produção de narrativas baseadas em valores importantes para a população é também um caminho exitoso apontado por ela para. 

Um terceiro ponto para uma boa comunicação seria entender a audiência com a qual se fala, destaca Ligia, lembrando de um princípio básico de estratégia de comunicação: quando se tenta falar com todo mundo, não se fala com ninguém. É preciso então entender quais são os públicos com os quais se dialoga e segmentar e personalizar os conteúdos para cada um deles. 

“Há essa perspectiva também [em entender] quem é o eleitorado ou os potenciais eleitores dos mandatos. Entender os públicos com os quais se está dialogando, ou com os quais se pretende dialogar, e definir os diferentes canais, meios e linguagens que precisam ser adotados dependendo de cada uma dessas audiências. Não existe uma receita ou fórmula, temos que fazer uma análise para cada um desses públicos com os quais a gente está trabalhando”.

Continuar o diálogo com a sociedade civil depois de eleita ou eleito à vereança e promover oportunidades para escuta dos cidadãos é importante para entender as prioridades da população e conectá-las às pautas climáticas. 

Criar um espaço que forneça um ambiente mais seguro para aprovar pautas progressistas, em especial quando não se tem maioria parlamentar para avançar. Isso é possível a partir da manutenção do diálogo e da criação de uma base de apoio com organizações e pessoas que olhem para o desenvolvimento econômico com mais responsabilidade social.

Audiências, diálogo e mídias

Pedro Borges relembra que foi provocado a pensar sobre clima em uma atividade promovida pela Purpose, na zona sul de São Paulo, e que demorou a estabelecer a relação entre mudanças climáticas e temas que dizem respeito ao cotidiano. A participação da COP 25, realizada em 2019 na Espanha, é destacada por ele como um momento de aprendizado. E ambas as ocasiões geraram reflexões sobre como os temas da desigualdade, do racismo e do meio ambiente se entrecruzam.

“Quando a gente discute raça, racismo, gênero, sexismo, LGBT fobia, desigualdades e a própria questão ambiental, no fim das contas estamos debatendo, de alguma maneira, o direito à vida. Seja o direito à vida dessa nova geração, seja o direito à vida das próximas gerações. Comecei a perceber que é impossível fazer uma discussão em todos esses temas sem olhar para o meio ambiente e para as próprias questões climáticas”.

Pedro destaca que a discussão sobre clima é bastante branca e classe média, e dificilmente chega a grupos ribeirinhos e quilombolas. Na COP 25, relata, havia apenas uma pessoa quilombola na delegação brasileira e poucas pessoas negras. Já o movimento dos povos indígenas, no entanto, estava presente, mobilizado e organizado para participação, com a liderança de Sônia Guajajara. 

“Das reportagens que a gente fez, um tema que gerou muita repercussão foi o altíssimo crescimento, nos últimos anos, do assassinato de lideranças quilombolas no Brasil. E esse assassinato está ligado intimamente à disputa por terra, ao desmatamento, madeireiras, a essa expansão absurda de uma agropecuária que quer plantar soja e vender para outros lugares do mundo, enquanto a gente não tem segurança alimentar aqui no Brasil. Não é possível fazer uma reportagem sobre o assassinato de lideranças quilombolas, que é um problema pulsante no Brasil, sem abordar a questão climática”.

Para o jornalista, a relação dos mandatos parlamentares com comunicadores é muito importante, em especial com as chamadas mídias independentes. Ele cita o exemplo do gabinete de Aurea Carolina, deputada federal por Minas Gerais, que tem atuado na questão das barragens no estado com sensibilidade para dialogar com outros comunicadores além dos grandes veículos de comunicação. 

E trata-se de uma estratégia importante quando se quer endereçar questões a públicos específicos. O perfil do público do Alma Preta, por exemplo, é composto em grande parte pelo jovem negro da periferia de um grande centro urbano, e esse público, avalia ele, muitas vezes não é audiência da mídia corporativa, mas está no Instagram e acompanha a Alma Preta.

Outros mandatos e mandatas citados por ele que dialogam nesse espectro são Quilombo Periférico, Bancada Feminista, Erika Hilton e Luana Alves

“A articulação com mandatos foi fundamental pra que a gente conseguisse produzir jornalismo de qualidade, fazer investigação e levar informação para as pessoas. Esses mandatos têm, por exemplo, uma possibilidade de articulação e uma capacidade de abrir caminhos pra que a gente consiga chegar a pontos focais e a documentos, e chegar a essas informações de bastidores, que vão permitir que a gente consiga produzir uma cobertura também de qualidade”. 

Pedro, que também trabalha no Profissão Repórter, percebe maior facilidade de aproximação de fontes com aquele “crachá” do que como mídia independente Alma Preta. Mas analisa que coletivos, agências e movimentos de mídia independente, negra e periférica têm grande capilaridade e alcance, relevância, e dialogam também com públicos importantes qualitativa e quantitativamente. 

Mídias como Periferia em Movimento, Nós Mulheres da Periferia, Desenrola e não me Enrola, Voz das Comunidades, Correio Nagô, Revista Afirmativa, Marco Zero Conteúdo, Favela News, Caranguejo Sá e Coletivo Duca são algumas das mídias independentes que o jornalista conhece e acompanha. Pedro destaca a convergência das linhas editoriais e do discurso dessas mídias, o que constrói o que ele define como uma esfera pública radical, que questiona a esfera que de alguma maneira é construída pelos grandes veículos de comunicação

Assista ao painel completo:

*O Gabinete de Inovação é um laboratório que reúne mandatos das casas legislativas de todo o país para construírem caminhos para a inovação nos parlamentos brasileiros. A iniciativa é do Instituto Update e Pacto pela Democracia. A edição de 2021 teve como tema “Um olhar local para o Clima”, e contou com apoio da Base.Lab, Clima de Eleições, Instituto Clima e Sociedade (ICS), Legisla Brasil, Purpose e Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS). Saiba mais em www.gabinetedeinovação.org.br 

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