Esse é um dos dias em que muitos clichês aparecem, o mais comum é a frase: “não precisamos de uma consciência negra e sim, de uma consciência humana”. Mas, é possível falar de uma consciência humana quando cerca de 54% da população brasileira está exposta às mais variadas formas de violência perpetradas pelo racismo? Certamente não. Então, porque ano após ano, movimentos negros brasileiros fazem dessa data um marco na luta antirracista? É sobre isso que a gente vai conversar nesse post. Continue a leitura!
20 de novembro e onde tudo começou
Em 1695, o líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi, caiu em uma armadilha e foi morto. Suas mãos foram cortadas e sua cabeça decapitada para ser exposta em Recife. O Quilombo dos Palmares foi um dos maiores e mais bem estruturados quilombos da América Latina, chegando a ter 20 mil habitantes que encontraram lá abrigo, alimentação, cuidados e, principalmente, segurança. Por tudo isso, Palmares tem muita importância para a história dos afrobrasileiros.

Em 1971, um grupo de jovens negros de Porto Alegre (RS) organiza um ato na capital gaúcha evocando à resistência negra no dia 20 de novembro daquele ano. Esse grupo de jovens – o Grupo Palmares – promoveu ações para negar comemoração ou celebração ao 13 de maio – data em que a Lei Áurea foi assinada – e buscar uma nova data que fizesse mais sentido para a luta do povo negro. E foi nessa busca que esse grupo encontrou a data da morte de Zumbi dos Palmares. Esse grupo se organizou para realizar um evento que exaltasse Zumbi como um herói e com o passar dos anos, a ideia do Grupo Palmares ganhou força e adesão de outros grupos negros em outras regiões do país. Exemplo disso foi a adesão do Movimento Negro Unificado (MNU) – um dos maiores grupos de resistência negra do país – que em 1978, abraça a ideia e faz da Consciência Negra uma data importante para exaltar heróis e heroínas negros do nosso país.
Somente em 2011 – mais de 3 séculos após a morte de Zumbi dos Palmares – o Dia da Consciência Negra foi instituído através da sanção daLei nº 12.519/2011. Esse dia também é o Dia Nacional de Zumbi e para muitas pessoas negras, esse é o dia para enaltecer quem fez parte da construção da identidade negra no Brasil bem como denunciar as mazelas sociais oriundas do racismo.
20 de novembro x 13 de maio: qual a diferença?
Em 13 de maio de 1888 a Lei Áurea foi assinada e legalmente pôs fim a legalidade da escravidão no Brasil. Porém, na prática o que aconteceu depois disso não representou em nada positivo para as pessoas escravizadas uma vez que não houve nenhuma política de reparação a essas vítimas, nenhum sistema de proteção ou ação por parte do governo que garantisse alguma dignidade a essas pessoas. Essas pessoas ficaram reféns de vários abusos de poder em virtude da vulnerabilidade social em que se encontravam e, por isso, muitas cederam aos desmandos dos senhores das fazendas para fugir da fome, por exemplo. Por tudo isso, o 13 de maio não simboliza algo significativo para os afrodescendentes brasileiros.
Para os gaúchos, já passava da hora de romper com a ideia de liberdade concedida, substituindo-a por uma concepção de liberdade conquistada. O advogado, Antônio Carlos Côrtes, hoje com 72 anos, destaca que a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel (1846-1921) no dia 13 de maio de 1888, foi uma “abolição incompleta”, pois não garantiu assistência ou apoio governamental para o acesso a terras, educação e trabalho a mulheres e homens antes escravizados. (Fonte: Agência Senado)
Já o 20 de novembro simboliza a luta e a resistência do povo negro contra as opressões. Ela conta também a história de antepassados negros que não foram apenas escravizados mas também foram líderes comunitários, estrategistas, arquitetos, engenheiros, gestores, cuidadores e muito mais. Por tudo isso, o 20 de novembro foi a data escolhida para ser o Dia da Consciência Negra.
Porque é preciso ter o Dia da Consciência Negra?
A Consciência Negra não é apenas uma data, ela simboliza mais de 50% da população brasileira. Falar sobre o Dia da Consciência Negra é falar sobre ancestralidade, sobre as origens de um povo. É falar também do que contribuiu para a formação do racismo em nossa sociedade. Não é estranho que tenham poucas datas comemorativas fazendo alusão a um herói da História Afrobrasileira? Em contrapartida, quantas pessoas são citadas em nossa história como heróis e heroínas nacionais e que são brancas? Essas são as perguntas mais simples que te farão refletir sobre o quão profundo é o apagamento histórico das pessoas negras no Brasil. Mas, claro, o apagamento de pessoas negras em nossa história vai muito além disso.
Por exemplo, a Academia Brasileira de Letras foi fundada por um escritor negro, Machado de Assis. Por várias vezes, porém, Machado de Assis teve sua negritude apagada e em várias ocasiões, o audiovisual brasileiro o retratou como um homem branco. Das 40 cadeiras existentes na ABL, 3 delas foram ocupadas por homens negros em seus 125 anos de existência. Além do seu fundador, Domício Proença Filho e Gilberto Gil são os únicos homens negros a ter cadeiras permanentes na Academia Brasileira de Letras – posto que nenhuma escritora negra ocupou até hoje.

Créditos: Brasil de Fato
Esse apagamento de pessoas negras não é algo restrito à literatura brasileira. Em outras áreas da ciência, vários cientistas negros foram vítimas disso. Algo que também não poupou os antepassados – como os egípcios, que tinham um vasto conhecimento e deixaram para a Humanidade os seus saberes sobre medicina e exatas mas nem sempre recebem os devidos créditos por isso.
Muito mais que dar créditos aos cientistas negros, é preciso também reconhecer também os malefícios que a atual estrutura racial promove na vida da população negra brasileira. O apagamento – oriundo do racismo – também se manifesta quando se trata de proteger e cuidar dessas pessoas. Para se ter uma ideia, a edição mais recente do Atlas da Violência aponta que homens negros representam 77% das vítimas de homicídio no Brasil. As chances de um homem negro morrer assassinado é 2,6 vezes maior que a de um homem não negro. Enquanto a taxa de homicídios de homens brancos caiu 3,3%, essa mesma taxa para homens negros subiu 1,6%. A situação não é muito diferente para mulheres negras. Das mais de 50 mil vítimas de assassinato entre 2009 e 2019, cerca de 67% delas eram mulheres negras. O percentual de mulheres negras vítimas de assassinato cresceu 2% – enquanto esse percentual para mulheres brancas caiu 26,9%.
Durante a pandemia de Covid-19, o racismo também se fez presente. Estudos da Fiocruz de 2021 mostram que a proporção de pessoas brancas que morreram de Covid-19 foi de 38%. Já para pessoas negras, essa proporção foi de 55%. Isso reflete o quão negligenciada tem sido a pauta racial, especialmente nos últimos anos no Brasil.
“Sem que os dados sejam obtidos de uma forma que expressem como as pessoas adoecem, morrem ou se curam, fica distante o manejo da pandemia de forma justa. É preciso considerar questões como raça, cor, etnia, classe social, gênero e geração no risco de adoecer e morrer por a covid para que o seu gerenciamento seja pleno e adequado. (…) Apesar dos esforços, o sistema brasileiro insiste em ignorar esses marcadores sociais. Assim, a abordagem da pandemia na perspectiva étnicarracial é premente, por ser uma oportunidade de encarar as desigualdades raciais tão marcadamente presentes em nosso país, e de forma definitiva. Caso contrário, os negros continuarão sendo os primeiros na fila de óbitos e os últimos na fila da imunização”. Márcia Pereira Alves dos Santos (Grupo de Trabalho “Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva” – Abrasco)
A negligência, o descaso, a exploração e a morte não podem ser os únicos caminhos possíveis para as pessoas negras no Brasil. Apagar os conhecimentos e saberes ancestrais de toda uma população não deve continuar a ser uma prática em nosso país. Por tudo isso, o Dia da Consciência Negra é necessário, é importante para o Brasil e para aqueles que ainda são vítimas daqueles que não tem (ou não fazem questão de ter) nenhuma consciência sobre as desigualdades, dores e sofrimentos que o silêncio conivente promove.
Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes
Se isso é sobre vivência, me resumir à sobrevivência
É roubar um pouco de bom que vivi
Por fim, permita que eu fale, não as minhas cicatrizes
Achar que essas mazelas me definem é o pior dos crimes
É dar o troféu pro nosso algoz e fazer nóiz sumir
Emicida
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