Estamos deixando deputadas pelo caminho

Por Débora Thomé e Malu Gatto*

A estrada de uma carreira política, para quem não nasceu em uma família do ramo, é geralmente bastante longa. Começa com a aspiração política, continua com o envolvimento em alguma ação política ou movimento e a consequente filiação a um partido. Depois de um tempo, a pessoa pode conseguir se candidatar e, passado mais um tanto, eleger-se. Por esse resumido retrato, já fica evidente o desafio que é eleger alguém pela primeira vez. Nessa trajetória, mulheres encontram ainda mais obstáculos. Ao mesmo tempo, as pesquisas da Ciência Política mostram: as chances de alguém que já tem um cargo ser novamente eleito/a é muito maior que de quem nunca se elegeu.  

Terminada uma eleição, tendemos a identificar as lacunas de representatividade observando os números da variação da presença de grupos marginalizados na política; no Brasil, principalmente mulheres e pessoas negras. Este ano, o número de mulheres deputadas federais aumentou para a próxima legislatura em 18,8%, chegando a parcos 17,7% da Câmara Federal. Serão 91 mulheres entre um total de 513 deputados.

Ainda que esses dados contenham parte relevante da história, há outro lado, da resistência das mulheres no sistema, sobre os quais revelam bem pouco. O crescimento da bancada feminina não deixa transparecer que a Câmara Federal não está conseguindo reter as mulheres que já foram eleitas.

Para a pesquisa +Representatividade, do Instituto Update, observamos, entre homens e mulheres, quantos dos deputados decidiram concorrer novamente a uma vaga na casa. Dos candidatos homens eleitos em 2018, 89% se recandidataram à Câmara Federal em 2022; entre as mulheres que já tinham um assento, o percentual foi mais baixo, de 82%. Entre este grupo que se candidatou, 64% dos homens foram reeleitos; entre as mulheres, 52%.

Foto: Fernando Frazão – 25.out.2016/ Agência Brasil

Ou seja, as mulheres já eleitas têm uma menor propensão que os homens a tentar continuar no cargo; e, entre as que tentam, um menor percentual é reeleito. Enquanto os homens se mantêm no cargo, uma parcela das deputadas fica pelo caminho.  

Quanto àquelas que decidiram não sair candidatas à deputada federal, pesquisas mais detalhadas podem mostrar se estão preferindo ir para outros cargos ou realmente desistindo, inclusive pela pressão que sofrem em um ambiente completamente hostil. O que está sendo entendido como violência política de gênero, que inclui as agressões ao desempenhar o cargo e na relação com os pares, pode ser um dos fatores que afasta essas mulheres no intuito de seguirem suas carreiras.  

Nossas análises dos resultados eleitorais das eleições municipais de 2020 mostraram que mulheres e homens que tentaram a reeleição tiveram a mesma chance de sucesso eleitoral. Portanto, quanto às que não foram reeleitas em 2022, mesmo tendo um elevado capital político, como o caso da deputada Margarete Coelho, teremos que entender melhor por que suas chances nessas posições de reeleição são menores que as dos homens de manutenção da carreira na Câmara Federal. O baixo apoio dos partidos a candidatas já bastante viáveis pode estar relacionado à maior dificuldade que têm para se reeleger. Há também o papel dos eleitores que, ainda que afirmem querer votar em mulheres, por preferências mais intensas em outros fatores, acabam votando em homens. É também possível que mudanças nas regras eleitorais tenham afetado de forma desproporcional as chances de candidatas mulheres.   

Criar viabilidade eleitoral para uma mulher custa muitos anos de trabalho – e já se sabe que os gargalos são diversos ao longo de todo o processo. Mulheres demoram mais que homens a decidirem se filiar, bem como a se candidatar e, uma vez em campanha, têm mais dificuldade em conseguir apoio das lideranças do partido e verbas que possibilitem que façam uma campanha vencedora. É necessário entender melhor o que está tirando as deputadas federais que já foram uma vez eleitas de seus assentos na Câmara. Precisamos delas para garantir que o aumento seja sustentável – e menos trabalhoso – ao longo dos próximos anos.

*Débora Thomé e Malu Gatto são, respectivamente, pesquisadora do Cepesp/FGV e  Professora da UCL-Londres, e coordenam Pesquisa +Representatividade, do Instituto Update.

Este artigo foi publicado originalmente na Folha de São Paulo, em 23 de outubro de 2022.

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