Criatividade e inovação estão intimamente conectadas: se a primeira é a capacidade de gerar ideias novas e originais (“pensar fora da caixa”, como dizem por aí), inovação é o processo de implementar essas ideias e transformá-las em algo prático, útil e valioso.
Costumamos relacionar a criatividade ao mundo das ciências e da cultura, a uma grande invenção tecnológica ou a uma obra de arte capaz de romper paradigmas, mas poucas vezes pensamos nela como algo fundamental a outros aspectos de nossas vidas e a diversos âmbitos da sociedade – como na política, por exemplo. O mesmo acontece com a inovação. Hoje a palavra está, acima de tudo, muito ligada ao mundo dos negócios e da tecnologia, fazendo com que pouquíssima gente perceba o quando ela é essencial também à política.
Isso acontece porque tendemos a enxergar a política como algo por demais enraizado, estanque, ligado às bases supostamente intocáveis da sociedade. Mas a grande pergunta é: o mundo hoje é aquele em que gostaríamos de viver? Não dá para responder que sim – ainda estamos muito, muito longe disso. A verdade é que, se não transformarmos as bases políticas, nunca seremos capazes de viver em um mundo justo para todos. E é somente pela inovação que poderemos chegar lá.
Transformar as bases da política é, antes de qualquer coisa, mudar quem faz a política.
Porque não há inovação sem diversidade e inclusão. “Quanto mais diverso é o poder, quanto mais grupos minorizados chegam à política institucional, quanto mais mulheres, pessoas pretas, indígenas, jovens e LGBTQIA+ estão lá, mais nos tornamos capazes de construir uma sociedade mais preparada para as demandas de todos, não só de alguns”, explica Beatriz Della Costa, cofundadora e codiretora do Instituto Update, que tem como missão gerar visibilidade e impulsionar a viabilidade da inovação política na América Latina.

Na visão de Ingrid Farias, coordenadora do programa +Representatividade, do Instituto Update, “inovação política é muito sobre mudar a perspectiva de que fazer política é algo complicado, ruim, pequeno ou apenas uma disputa por poder em um espaço limitado, onde não há lugar para as pessoas”. E, para ela, isso se refere a mudar não só a estética da sociedade, mas também as práticas políticas. “Não pode continuar sendo aceitável que as mulheres, quando entram na política, tenham que passar por violências ou que a política seja dominada por recursos financeiros. A inovação política é uma perspectiva alinhada ao ideário de consolidação da democracia”, completa.
A inovação política, portanto, pode ser descrita como um conjunto de práticas, corpos e estéticas que permitam repensar a política e estabeleçam novas formas de lidar com os problemas sociais.
Cientista política e coordenadora de formação política do Instituto Update, Alejandra Parra lembra que a inovação é uma característica constante na vida de todas as pessoas. “Ela está relacionada a novas maneiras de fazer e agir, então sempre terá espaço para crescer”, diz. Mas, por ter a renovação e, principalmente, a diversidade em sua essência, a inovação vai quase sempre se deparar com grandes obstáculos no seu ,caminho de se consolidar como a força motriz do fazer político. Além disso, muitas vezes a inovação política surge em contextos difíceis, como os da América Latina atualmente.
“Embora a inovação política esteja, de alguma forma, sempre presente, ela enfrenta desafios para ter um impacto maior e continuar crescendo. A inovação trazida pelas mulheres e pessoas negras enfrenta barreiras estruturais de racismo e machismo, além de dificuldades de financiamento e conexão de redes. Precisamos, dessa forma, encontrar maneiras de potencializá-la”, aponta Alejandra.
Existem hoje grandes inovações políticas em curso. Por toda a América Latina, por exemplo, mulheres e pessoas negras indígenas vêm se organizando criando redes que perpassam diferentes partidos políticos. “Essas redes solidárias entre mulheres, povos indígenas e população negra estão superando os limites dos partidos políticos, pois entendem que a militância feminista, a militância no movimento negro ou as causas dos povos indígenas devem ser transversais”, explica.
Entretanto, para que possa ser verdadeiramente efetiva, a inovação política precisa estar, tanto como conceito quanto como prática, presente na vida de toda a população. Na visão de Alejandra, só vamos superar esses desafios quando, como sociedade, de fato entendermos o que é inovação política e quais os seus benefícios. “Só assim poderemos acolher essa inovação, que muitas vezes ainda é vista como algo arriscado e experimental. Temos, portanto, que enfrentar esses desafios por um viés cultural, educando e comunicando sobre as inovações políticas e os benefícios que elas trazem para a sociedade e para a resolução de nossos problemas.”
Ingrid ressalta que a maneira pela qual a política costuma ser comunicada afasta grande parte da população. “É necessário pensarmos em tecnologias, linguagens e expressões culturais e sociais que possam ampliar a compreensão dos cidadãos para associar cada vez mais a política à vida e ao contexto diário, como transporte público, saúde e questões ambientais. Entendendo que a política não é algo distante, mas parte vida de cada pessoa, todo cidadão se torna capaz de fazer e disseminar a inovação política”, conclui.
Dicas para saber mais sobre inovação política
Para entender melhor como a inovação política funciona na prática, convidamos você a conhecer alguns dos nossos projetos: Eleitas, estudo e série audiovisual sobre o imaginário das mulheres-latino americanas no poder a partir de suas histórias, desafios e trajetórias; a pesquisa Jovens no Poder, que detalha como jovens estão introduzindo na política brasileira um novo senso de coletividade para transformar o presente e o futuro; e o podcast Jogo de Cartas, que narra a história do Lobby do Batom, movimento que juntou mulheres de todo o Brasil para mudar radicalmente a cara da nossa democracia a partir da Constituição de 1988.