A segunda edição da pesquisa +Representatividade, que realizamos este ano, mostrou que as eleitoras e os eleitores brasileiros preferem votar em candidatas mulheres (62%) e pessoas não brancas (79%, sendo 51% negras e 28% indígenas). Essa vontade, entretanto, pouco se traduz nas urnas.
Nas últimas eleições, o número de mulheres deputadas federais teve aumento de 18,8%, passando de 77 para 91. Mesmo assim, o total ainda será baixíssimo: elas vão ocupar somente 17,7% das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados.
No que diz respeito à raça, houve um crescimento importante: embora 64% das novas 91 deputadas sejam brancas, as pardas, pretas e indígenas chegaram a, respectivamente, 17,6%, 14,2% e 4,4% do total. Teremos quatro deputadas de povos originários a partir de 2023, contra uma na atual gestão. Mas ainda é muito pouco.
Há muitos motivos para que isso aconteça e muito trabalho a ser feito em diversas frentes, sobretudo para quebrar o ciclo que faz com que as pessoas prefiram votar em candidatos que já tiveram um mandato – que por sua vez são, em maioria, homens brancos.
Nesse aspecto, o novo governo Lula tem uma grande missão. Em seus discursos, o presidente eleito vem repetidamente ressaltando a importância que a responsabilidade social terá em sua gestão – e não há responsabilidade social sem representatividade. Lula precisa, então, trazer mulheres, pessoas negras e indígenas para os ministérios.
No que diz respeito às mulheres, há indícios de que Marina Silva e Simone Tebet sejam nomes fortes, pois tiveram papel central na reta final da campanha. Mas como essa participação vai se traduzir em 2023? Em toda a redemocratização, ou seja, em 33 anos, o Brasil nunca teve uma mulher à frente da pasta da Saúde – sendo que elas representam mais de 70% da força de trabalho do setor; o mesmo ocorre na educação. Na Economia, Zélia Cardoso de Mello foi a única (entre 1990 e 1991, no governo Collor). Em 2019, na primeira configuração do governo Bolsonaro, elas eram apenas duas em 22 ministérios (9%). Não precisamos apenas dar um passo à frente, mas inúmeros – e largos.
Em contraste, Gabriel Boric, quando assumiu a presidência do Chile, no início deste ano, transcendeu a paridade de gênero e compôs um governo majoritariamente feminino, com 14 mulheres e dez homens nos ministérios. O mesmo ocorre, por lei, no México. Lula poderia, sim, seguir esse modelo. Afinal, o que não falta são mulheres qualificadas para tal.

Durante a COP27, Lula confirmou a criação do Ministério dos Povos Originários, muito possivelmente tendo à frente a deputada federal eleita Sonia Guajajara, “para que os próprios indígenas garantam a sua segurança, paz e sustentabilidade” e sejam “protagonistas de sua preservação”. Uma grande notícia, sem dúvida. Mas representatividade de verdade seria termos indígenas para além do ministério dos Povos Originários, assim como ter pessoas negras para além do Ministério da Igualdade Racial. Também são poucas as pessoas negras na transição, com um enorme domínio de nomes do Sudeste e Sul, aumentando as desigualdades também na escala regional.
Precisamos trazer mais diversidade para o governo, garantindo que diferentes perspectivas estejam contempladas e que, cada vez mais, a política seja um espaço para todas as pessoas e vozes.
Beatriz Della Costa é diretora e cofundadora do Instituto Update
Débora Thomé é pesquisadora do Cepesp/FGV e coordena Pesquisa +Representatividade, do Instituto Update.