As últimas décadas foram marcadas por várias transformações na política em toda a América Latina – especialmente no que diz respeito à representatividade política de populações marginalizadas de gênero, raciais e étnicas. Mas elas ainda são insuficientes, principalmente no Brasil. Mesmo com a cota de 30% de candidaturas destinadas às mulheres, elas ocupam somente 17,7% das cadeiras no Congresso Nacional. No quesito representatividade de mulheres, o Brasil ocupa a última posição no ranking do continente latino-americano. Das 513 pessoas eleitas para o cargo de deputado federal em 2022, apenas 135 se autodeclararam pretas ou pardas.

Estes são alguns dos muitos dados que mostram que o atual sistema eleitoral precisa ser reestruturado. E, para pensar numa reforma eleitoral, é preciso entender melhor como o sistema funciona e encontrar alternativas que promovam mais representatividade.
Um breve panorama sobre o sistema eleitoral brasileiro
No Brasil, as eleições ocorrem por meio de duas formas: seguindo o sistema majoritário e o proporcional. No majoritário, ganha quem tem mais votos – sistema usado na eleição de prefeitos, governadores, senadores e presidente da República.
No sistema proporcional de lista aberta, os assentos são distribuídos entre os candidatos do partido ou da federação. É por esse sistema que são eleitos vereadores, deputados estaduais e federais. Por ele, a soma da quantidade de votos recebidos por todos os candidatos lançados por um partido ou federação define o número de vagas que recebem; as vagas são então distribuídas aos candidatos mais votados daquele partido ou federação.
Um exemplo bem conhecido é do deputado Enéas Carneiro, que foi candidato a deputado federal em 2002 e recebeu 1,57 milhão de votos – uma quantidade que foi suficiente para eleger outros candidatos da sua coligação na época, os quais tiveram uma quantidade menor de votos. No sistema proporcional é calculado o quociente eleitoral, quando o número de votos válidos (ou seja, o número total de votos computados para candidatos e partidos) é dividido pelo número de vagas disponíveis.
A pesquisa +Representatividade — Reformas Eleitorais, desenvolvida pelo Instituto Update, mostra que, em diferentes contextos, o sistema de representação proporcional favorece mais a representatividade política de grupos minorizados do que o sistema majoritário–mas que o sistema proporcional não é suficiente para promover a diversidade.
Mesmo com a obrigatoriedade de cotas de candidaturas de mulheres e a exigência de que haja destinação de financiamento público de campanha para mulheres e pessoas negras, boa parte das lideranças partidárias brasileiras consegue subverter as regras e manter o status quo.
Além de não seguirem as regras à risca para promover a representatividade, algumas lideranças também tentam enfraquecer o sistema: recentemente a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou a chamada PEC da Anistia. A Proposta de Emenda à Constituição 09/23 propõe o perdão a todos os partidos políticos que não fizeram o repasse adequado do fundo. Ou seja, ao mesmo tempo em que uma lei obriga, há uma proposta para que não haja punição para quem não a cumprir.
Como financiamento de campanha é fundamental para ajudar a eleger um candidato, ações como esta perpetuam a baixa representatividade política gerada pelo nosso sistema eleitoral, e isso é algo muito preocupante. Essa anistia vai além de cadeiras ocupadas pelo mesmo grupo dominante (homens, brancos, cisheteronormativos): ela também é problemática pois se trata de uso de verbas públicas para perpetuar a desigualdade, uma vez que os homens candidatos seguem recebendo mais.
Dados levantados em reportagem da Folha de São Paulo mostram que a PEC da Anistia pode perdoar um calote no Fundo Eleitoral de R$ 740 milhões – montante que era destinado a candidaturas negras, mas que acabou indo para outros candidatos. No que diz respeito a candidaturas de mulheres, o calote ficou em R$ 130 milhões.
Na série audiovisual “Eleitas”, nossa cofundadora, Beatriz Della Costa, fala sobre a importância da representatividade e como isso pode fazer a diferença no cenário político brasileiro.
O que é preciso ser feito para mudar o sistema eleitoral?
Muito mais que conscientizar eleitores e eleitoras sobre votar em pessoas que as representam, é preciso desenhar um sistema eleitoral que leve em conta representatividade como objetivo.
A pesquisa +Representatividade — Reformas Eleitorais apresenta algumas possibilidades.

Uma delas, que surtiu efeito em outros países, é a adoção de um sistema de representação proporcional de lista fechada. Nesse sistema, os partidos apresentam listas preordenadas de candidatos e candidatas para que os eleitores possam votar. Ao invés de o voto ser individual, o voto é destinado às listas apresentadas. O total de votos recebidos por cada partido é que determinará o número de assentos que ele poderá ocupar. As candidaturas eleitas serão definidas de acordo com a ordem dos nomes da lista que o partido apresenta antes das eleições. Colômbia, Argentina e Uruguai são alguns dos países que utilizam o sistema de lista fechada para eleger seus representantes. A pesquisa aponta também as principais vantagens que esse sistema possui:
- redução de gastos de campanha;
- campanhas que beneficiam os candidatos listados;
- sistema que tem mais facilidade de corroborar com cotas de raça, etnia e gênero.
É importante ressaltar que o sistema de lista fechada não é imune à prioridade dada aos homens, já que os partidos podem apresentar listas com homens ocupando as primeiras posições. No caso dos países que tiveram sucesso em aumentar a representação de mulheres, o sistema de lista fechada foi aperfeiçoado com uma política de cotas com “listas zíper”, que determinam que os nomes de homens e mulheres na lista sejam intercalados.
Conheça o projeto +Representatividade
+Representatividade é a série de pesquisas do Instituto Update que tem como principal objetivo identificar os obstáculos e as oportunidades para a representação política de grupos marginalizados, investigando o papel das iniciativas eleitorais não-partidárias, partidos, políticas/os eleitas/os, lideranças da sociedade civil, ativistas e eleitoras/es nesta agenda. Para ler a pesquisa “Reforma Eleitoral” na íntegra, clique aqui.
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