O novo governo federal te representa?

Os ministérios de Lula e a disputa pela ampliação da democracia.

Por Ingrid Farias

No primeiro anúncio de ministérios para seu terceiro mandato, o presidente eleito Lula convocou cinco homens brancos, embora, em seguida, tenha prometido que ainda “vai ter mulheres, negros e índios” e que o governo logo ganhará “a cara da sociedade brasileira, em sua total plenitude.” É o que grande parte da população espera. Respectivamente 41% e 39% dos entrevistados em pesquisa de opinião realizada pelo +Representatividade, do Instituto Update, são favoráveis à ocupação dos ministérios por mulheres e pessoas negras. Esse desejo reflete uma democracia incompleta: estamos, desde muito antes da redemocratização, lutando para ampliar a estética política de quem toma decisões por todo povo brasileiro. 

Dias depois da divulgação dos primeiros nomes, fomos surpreendidos positivamente com a confirmação de Margareth Menezes, mulher e negra, para o Ministério da Cultura, mas outras nomeações seguem em aberto – palpites antes certeiros como Marina Silva e Simone Tebet parecem cada vez mais distantes de se concretizar. Além disso, a primeira indicação de Margareth para seu ministério, o negro Zulu Araújo como secretário executivo da pasta, foi vetada pela equipe do novo governo, que, em seu lugar, preferiu o branco Márcio Tavares. Nada de novo: a dificuldade de tratar da paridade de gênero e raça é fruto de uma esquerda que não reconhece essa questão estruturante como um elemento essencial para a consolidação de uma democracia forte e representativa. 

É a hora de incidirmos para que o Brasil dê uma grande guinada nesse caminho, já trilhado por diversos países. No relatório “Mulheres no Parlamento“, publicado em 2021 pela ONU Mulheres em parceria com a UIP (União Interparlamentar), o Brasil ocupa a 142ª posição – entre 192 nações – no ranking de representatividade feminina. Na América Latina, estamos no penúltimo lugar. 

Viemos de quatro anos de um governo que esvaziou avanços históricos das mulheres e, mais do que isso, atacou diretamente direitos básicos. A única mulher que se manteve como uma presença constante no governo Bolsonaro foi Damares Alves, na Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres, que, ao lado da primeira-dama, tinha como único papel a desconstrução da pauta de gênero tendo em vista as eleições de 2022.  Enquanto isso, vimos países governados por mulheres apresentando um desempenho exemplar na gestão da pandemia e de todas as questões – economia, saúde e tantas outras – que dela surgiram. 

Foto: Ricardo Stuckert

Embora o novo governo tenha um compromisso com a agenda progressista, é importante que possamos assumir uma responsabilidade histórica de disputar uma política popular, negra e feminista. Não podemos cometer o erro histórico de isolar agendas de direitos: é necessário interseccionalizar a construção da política, colocando mulheres, em suas diversidades, para ocupar espaços para muito além da Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres. Da mesma maneira, pessoas negras têm o potencial de participar da formulação de todos os espaços de consolidação da democracia a partir do Executivo – economia, justiça, saúde, direitos humanos e tantos outros. 

Por isso, as campanhas pela representatividade e pela paridade nos ministérios e secretarias – que vêm sendo capitaneadas por movimentos sociais, de mulheres negras, feministas e organizações da sociedade civil – são tão importantes neste momento. Assim como fizemos durante as eleições, disputando espaços na política  representativa, precisamos agora seguir ampliando a narrativa das mulheres, pessoas negras, LGBTQIAP+ e jovens em todos os espaços de poder. Vencer a extrema direita não quer dizer que os próximos quatro anos estejam livres de novas disputas. Ainda precisamos descobrir qual será a direção que o novo governo vai tomar, garantindo que esses rumos sejam também orientados pela população brasileira em toda a sua diversidade. 

Isso é uma necessidade. Não seremos capazes de fortalecer a democracia somente pela ação do Estado e de políticas públicas. O fortalecimento da democracia se dá, acima de tudo, a partir da participação dos diversos atores que a compõem. Cada pessoa importa. Mais do que defender a democracia, temos que ampliá-la e mudar sua estética – para que tenha, de uma vez por todas, a cara do Brasil.

Ingrid Farias é coordenadora do programa +Representatividade, do Instituto Update

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