O Papel do Legislativo Municipal no Combate às Mudanças Climáticas

Redação: Mônica Ribeiro; Edição: Marcelo Bolzan e Mariana Belmont.

Como os legisladores municipais podem contribuir para o combate às mudanças climáticas nas cidades? Como espaço de escuta, diálogo e construção com a sociedade e com o executivo, as Câmaras Municipais podem ter papel ativo nesse tema? E em que medida isso é possível?

O Gabinete de Inovação 2021* reuniu Gilberto Natalini, vereador na cidade de São Paulo por vinte anos e ex-secretário de Meio Ambiente do município, e Márcio Astrini, diretor executivo do Observatório do Clima, para debater sobre o tema. Este foi o primeiro dos seis painéis que reuniram especialistas da sociedade civil organizada e legisladores com equipes de mandatos de vereança eleitos pela primeira vez em 2020. 

Confira abaixo os destaques do encontro: 

A emergência climática 

O quadro da emergência climática no mundo, por Márcio Astrini:

● Incremento grande de emissões de carbono nos últimos 70 anos, em ritmo muito rápido. Grande concentração de carbono na atmosfera altera nossas relações com o planeta e do próprio planeta com ele mesmo.

● O planeta já está cerca de 1,1 grau acima do período industrial. As alterações que poderão advir com aquecimento acima de 2 graus são pouco previsíveis, embora já existam exercícios nesse sentido. Mas as transformações serão enormes, com risco de extinção de espécies e de parcela da população humana na Terra. 

● A solução para o quadro é difícil, porque requer um comprometimento global em assumir compromissos de redução de emissões. Esse consenso ainda está longe de acontecer no ritmo necessário. 

● Se todos os países cumprissem à risca os compromissos assumidos com o Acordo de Paris, em 2015, os resultados ainda não seriam suficientes. 

Municípios e cidadãos, o que têm com isso?

Astrini destaca que, quando se fala em mudança do clima nos territórios, devemos pensar não só em furacões, secas e deslizamentos de terra, mas também no aprofundamento de desigualdades que já existem. 

As parcelas da população que hoje mais sofrem com a crise sanitária são também as que mais sentirão os efeitos da emergência climática. Debater mudança climática é também projetar um aumento do abismo social que já existe e buscar soluções para este quadro. 

“Muitos de nós temos em mente a imagem do retirante nordestino, que foge de uma situação de seca e busca melhores condições de vida. Ele é um refugiado climático. Vai chover mais onde já chove e teremos ainda mais risco para as pessoas que já sofrem com isso”.

As migrações ocasionadas pela emergência climática tendem a sobrecarregar serviços de saúde, moradia, educação e transporte nos centros de destino. 

Cidades muito grandes e urbanizadas, como São Paulo e Rio de Janeiro, precisam ter planos de mitigação para enfrentar a emergência climática. Mas os municípios que mais emitem gases de efeito estufa estão localizados em áreas de desmatamento, o que segue sendo um grande problema para o Brasil.

Astrini destaca que existem dados para subsidiar municípios e mandatos quanto às questões a serem enfrentadas nos territórios. Por exemplo, as projeções já destacam que, no Sudeste, haverá aumento de precipitações e de doenças ligadas a esse quadro, como leptospirose, leishmaniose e, consequentemente, de demanda por serviços de saúde. Já no norte do país, há tendência de maiores médias acima de 30 graus e risco de mortalidade para idosos e crianças. 

Outro ponto levantado por ele é que no Brasil há também risco de desabastecimento de energia por causa de alterações de regime de chuvas. 

“São impactos muito grandes que vão chegar aos cidadãos. Existem muitas soluções que podem ser implementadas nas cidades, não só para a questão climática, mas para o bolso. O Legislativo precisa olhar para a questão de clima de modo integrado com o executivo. Legislatura é lugar para que a população venha para o debate e os legisladores façam leis e pressionem o Executivo”. 

As cidades que têm compromisso em se tornar mais sustentáveis são elegíveis para buscar crédito a baixo custo, e às vezes a fundo perdido ou a juro zero, com bancos internacionais e outros fundos de financiamento. Isso coloca as cidades em patamar privilegiado para disputar recursos. 

A experiência de um parlamentar no município de São Paulo

São Paulo esteve na vanguarda das ações e projetos municipais voltados ao combate à emergência climática, sendo pioneira na elaboração de uma Política Municipal de Mudança Climática. A articulação do projeto do executivo na Câmara ficou a cargo de Gilberto Natalini, relator executivo do projeto de lei e ele mesmo propositor e executor de legislações e eventos no tema. 

Com a bagagem de 20 anos no Legislativo municipal de São Paulo, maior cidade da América Latina, Gilberto Natalini define o espírito da atuação de vereador:

“Alguém que está no dia a dia com o povo da cidade e enfrenta os problemas tendo voz e representatividade, mas com limitação de poder, estrutura e orçamento”.

Em seus mandatos, Natalini atuou com as pautas ambientais e de saúde pública. Seu gabinete promoveu dezenas de Conferências de Produção + limpa e de Mudanças Climáticas, buscando mobilizar a sociedade e contribuir para que ela se organizasse em torno do tema e seus efeitos no dia a dia. 

Dentre os projetos propostos e aprovados está o de reuso da água para lavagem de ruas. Criou a Comissão de Estudos do Aquecimento Global e das Mudanças Climáticas no município e a Comissão de Meio Ambiente da Câmara Municipal. 

Ponto importante destacado por ele é a atuação conjunta com o executivo nas pautas. Ele cita a gestão de Eduardo Jorge à frente da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo, quando a convergência possibilitou amplitude no trabalho legislativo. Natalini foi o relator do Projeto de Lei do Executivo que estabeleceu a Política Municipal de Mudança do Clima (pegar nome certo), legislação pioneira que depois se desenvolveu em outros municípios do país.

Cita a importância da vontade política e dessa articulação entre os dois poderes para a consecução de ações e manutenção de políticas públicas, destacando medidas que acompanhou e que foram descontinuadas em São Paulo, como a inspeção veicular e a fiscalização e desmantelamento de ocupações irregulares no entorno das represas Billings e Guarapiranga. 

Em seu último mandato, Natalini denunciou documentadamente a devastação das matas no entorno das represas por loteamentos irregulares no extremo sul da cidade. Naquela região estão localizadas duas Áreas de Proteção Ambiental, que representam 1/6 da área da cidade de São Paulo, abrigam grande remanescente de Mata Atlântica com ocorrência de grandes mamíferos e produção agrícola.

“Encaminhei ao Ministério Público a denúncia. Fiz trabalho de fiscalização, como vereador deve fazer”.

Como os planos diretores podem ajudar a barrar a especulação imobiliária?

Para Natalini, o Plano Diretor “é a vida da cidade pelos próximos dez anos”. Em São Paulo, ele destaca o apetite e a pressão do setor imobiliário por mais áreas. 

“Não sou contra a verticalização, mas é preciso se atentar à impermeabilização da cidade, à questão da adaptação à mudança climática”. 

Ele destaca os Parques Lineares como proposta inteligente de adaptação às mudanças climáticas nas cidades ao se converterem em boas áreas de amortecimento para enchentes. 

Astrini complementa:

“Além de evitar enchentes e trazer benefícios, esses parques são locais de convivência, espaço para implantação de ciclovias e outros equipamentos de socialização. São projetos em que se alia o ganho ambiental e o ganho para a comunidade. Esse tipo de projeto a gente precisa implementar nas cidades. Soluções linkadas à questão ambiental que trazem vários ganhos.”

Para o secretário executivo do Observatório do Clima, é preciso ter em vista que a agenda de clima cresce no mundo, é ponto importante na gestão do novo presidente dos Estados Unidos e parte do pacote pós-pandemia da Europa. E quem abraçar esta pauta tende a sair na frente. Uma agenda de futuro, que veio para ficar, juntamente com a de direitos humanos. 

Reconhecendo o grande retrocesso promovido pelo atual governo federal, Natalini destaca a importância da atuação dos legislativos e governos locais nessas agendas: 

“Somos um número grande de pessoas nas câmaras, nas ruas, nos executivos. Se atentem aos exemplos. Muita gente no Brasil tem produção parlamentar. Levem essas pautas para dentro da Câmara, para a cidade de vocês.”

Assista ao painel completo: 

*O Gabinete de Inovação é um laboratório que reúne mandatos das casas legislativas de todo o país para construírem caminhos para a inovação nos parlamentos brasileiros. A iniciativa é do Instituto Update e Pacto pela Democracia. A edição de 2021 teve como tema “Um olhar local para o Clima”, e contou com apoio da Base.Lab, Clima de Eleições, Instituto Clima e Sociedade (ICS), Legisla Brasil, Purpose e Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS). Saiba mais em www.gabinetedeinovação.org.br 

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