O processo de luto envolve sentimentos diversos como tristeza, saudade, revolta, negação e aflição. Envolve também questões burocráticas como reconhecimento de corpo, emissão de atestado de óbito e os trâmites para o enterro. E para muitas pessoas, essas questões também se tornam questões de acesso e direitos, já que nem todos os cemitérios são públicos e os custos ligados ao sepultamento podem ser inviáveis para as famílias.
Cemitérios públicos x cemitérios particulares: um breve panorama do cenário atual no Brasil
A legislação brasileira dá a todos os cidadãos e cidadãs do país o direito a ser sepultado, o “Jus Sepulchri”. Além do direito ao sepultamento, brasileiros e brasileiras têm direito também a sepultar seus entes queridos. No Brasil, é possível encontrar cemitérios públicos – que podem ser administrados pelo poder municipal ou por empresas que respondem a esse poder – e particulares.
A propriedade dos túmulos em cemitérios públicos é do município e, por isso, os jazigos são concedidos às famílias. Cada município, porém, tem sua própria legislação para definir o tempo dessa concessão, as taxas de manutenção e também o procedimento para que estas estas famílias tenham o direito à perpetuidade – direito que concede de forma definitiva o jazigo a família solicitante.
No caso dos cemitérios particulares, a perpetuidade é garantida para a família que compra os jazigos e os serviços ficam a critério das ofertas e disponibilidades das empresas responsáveis pela gestão desses cemitérios. É importante dizer que tanto os cemitérios públicos quanto os particulares necessitam de permissão dos municípios para serem construídos e ambos são fiscalizados pelo poder público, pois a legislação brasileira reconhece o cemitério como um bem de interesse público.
Luto, pandemia e a desigualdade escancarada na hora do adeus
A pandemia de Covid-19 expôs vários problemas sociais, dentre eles a necessidade de políticas públicas que cuidem dos cemitérios públicos e a atenção à saúde mental de quem trabalha nesses locais. Por conta das medidas sanitárias, pessoas que morreram em virtude de Covid-19 não puderam receber de seus familiares as últimas homenagens. As famílias não puderam estar presentes, não houve velório e o sepultamento não levou muito tempo. Em matéria publicada pelo UOL, os sepultadores contaram como a alta frequência de enterros – causada pela má gestão da pandemia e, consequentemente, aumento no número de casos – abalou a saúde mental e física.

Um dos entrevistados – que é sepultador em Manaus, uma das cidades mais atingidas pela má gestão da pandemia – menciona que trabalhou sem folga em algumas semanas e que além do cansaço físico, há também o cansaço mental. O entrevistado fala também que fica pensando o tempo todo nas pessoas que foram sepultadas e que isso afeta o seu humor. “ Fico um pouco nervoso, me pego pensando sempre, é muito triste”. A esses trabalhadores não é dado o direito ao choro ou comoção pois faz parte do trabalho deles não se envolver com a dor das pessoas. Mas, com a frequência de enterros e todo o cenário causado pela pandemia de Covid-19, isso se tornou impossível para os trabalhadores de cemitérios.
Nem todos os sepultadores puderam contar com o apoio psicológico já que nem todos os cemitérios ofereceram esse tipo de tratamento a esses trabalhadores. Além disso, o baixo investimento em políticas públicas voltadas para a saúde mental faz com que o acesso dessas pessoas a tratamentos psicoterapêuticos se torne mais difícil. Algo que também afetou as pessoas que perderam seus entes queridos durante a pandemia. A ausência do velório e de outros ritos envolvidos no luto torna esse processo ainda mais doloroso.
Para que as pessoas consigam reorganizar suas vidas e lidar com a ausência de quem faleceu, essas etapas são necessárias. Com a pandemia, essas etapas não puderam ser vividas e aliada ao distanciamento social exigido, esse processo teve que ser conduzido de outra maneira. O contexto pandêmico também impôs uma triste situação: enterros em valas. A alta demanda de enterros superlotou os jazigos e para garantir o direito ao sepultamento, cemitérios públicos e privados tiveram que abrir valas em seus terrenos.
Cemitérios e a questão ambiental
Pensar em políticas públicas para a gestão dos cemitérios é pensar também no meio ambiente. Estudos geográficos mostram que o necrochorume – líquido composto por substâncias tóxicas e formado durante a decomposição de corpos enterrados – pode entrar em contato com o lençol freático e isso pode contaminar rios e poços. Apesar de serem bens de interesse público e fiscalizados, há vários cemitérios no Brasil com problemas sanitários e ambientais que não são devidamente tratados pelos poderes municipais.
Nesse sentido, a cremação se torna uma alternativa viável para a proteção do meio ambiente. Porém, ela enfrenta um outro desafio: o aspecto cultural em torno do luto. Em todos os países, existem costumes para viver o luto. Embora antes da cremação tenha o velório, ela impossibilita outros ritos marcantes na cultura brasileira como as visitas e cuidados com os jazigos (depósito de flores, placas com homenagens e versículos bíblicos, dentre outros).
Homenagens, ritos e outras formas de viver o luto na América Latina
No Brasil, o Dia de Finados é celebrado em 02 de novembro. É comum a ida de famílias aos cemitérios para orações, cantos e outras demonstrações de afeto para a pessoa falecida. Já no México, o Día de los muertos acontece entre os dias 31 de outubro e 02 de novembro. O Dia de los muertos costuma ser uma celebração alegre e festiva, com festas na rua e também entre as famílias.
Já na Bolívia, a Festa de las Ñatitas acontece no dia 08 de novembro e tem referência de ritos da era pré-colombiana, quando o Império de Tiwanaku conservava a cabeça dos antepassados para pedir chuva em períodos de seca ou proteção contra invasores.
No Haiti, as tradições do vodu se misturam com as tradições do catolicismo em cantos e tambores tocados nos cemitérios para despertar o Senhor dos Mortos, Baron Samedi.
É importante encarar o luto como uma etapa da existência humana. O luto envolve meio ambiente, saúde mental, saúde física, direitos trabalhistas e, principalmente, dor e saudade.
“Há que se incluir a morte na vida apesar da dor, a vida dói .” – Lacan