O que a prova do Enem 2020 tem a ver com política e ativismo? Resposta: tudo!

A série de estudos Emergência Política quer conhecer lideranças jovens que estão transformando a forma de atuar na política. Saiba mais!

Por Amanda Figueiredo e Larissa Dionisio

Você sabe como o ENEM começou?  O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) se inicia em 1998, com o objetivo de avaliar o desempenho escolar dos estudantes ao término da educação básica. A partir de 2009, o exame passou a ser utilizado como mecanismo de acesso à educação superior, por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), do Programa Universidade para Todos (ProUni) e de convênios com instituições portuguesas. Percebe a importância política do exame para o acesso à educação superior no Brasil?  

Ainda segundo o Inep, os resultados do Enem possibilitam o desenvolvimento de estudos e indicadores educacionais, colaborando na construção de políticas públicas com base em evidências. Check: mais uma conexão com a política.

Ou seja, o exame é um instrumento muito importante para a entrada de jovens no ensino superior,  colaborando para o presente e futuro das juventudes, trazendo outras perspectivas de emprego, desenvolvimento de novas habilidades, e principalmente, a garantia de um direito básico: a educação. 

Agora, vamos ao Enem 2020: sabemos que no meio do caminho, além de várias pedras, tivemos uma pandemia que impactou o mundo, mas, principalmente, estudantes do ensino médio de escolas públicas, que tiveram suas aulas suspensas com um plano de ação indefinido e que não deu conta de ausências muito anteriores a pandemia, como a falta de acesso à internet de 40% dos estudantes brasileiros (TIC Educação 2019), tampouco de equipamentos tecnológicos que suportam as aulas online,  trazendo insegurança, desesperança e altos índices de evasão escolar, gerando mais desigualdades.

Somado a tudo isso, questões emocionais e de saúde mental afetaram – e afetam – os estudantes neste momento delicado que é atravessar essa pandemia, uma situação nova para todas pessoas no último século.

Quem cuida, ou deveria cuidar, dessas questões é o Ministério da Educação, o famoso MEC, que é um “órgão da administração federal direta e tem como área de competência os seguintes assuntos: a política nacional de educação, da educação infantil, a educação em geral, compreendendo o ensino fundamental, o ensino médio, o ensino superior, a educação de jovens e adultos, a educação profissional, a educação especial e a educação a distância, a avaliação, informação e pesquisa educacional, a pesquisa e extensão universitária, o magistério e a assistência financeira a famílias carentes para a escolarização de seus filhos ou dependentes.”

A política aparece aí de novo, em palavras, mas também deve ser mais que isso: deve ser ação concreta na realidade. 

Essas competências e responsabilidades são fruto do período de redemocratização, ou seja, quando cai a ditadura militar no Brasil e entramos no regime democrático, que tem como premissa a garantia de direitos básicos, construção de políticas públicas a partir da participação popular e transparência nas ações do governo. Isso quer dizer que o MEC não trabalha sozinho, ele precisa fundamentalmente da população, e principalmente, escutar ativamente as demandas sociais, traduzindo em ações políticas. 

Entretanto, só em 18/12/2020, nove meses depois do primeiro caso de covid-19 no Brasil e começo das medidas de enfrentamento ao vírus, é que a Câmara aprovou o auxílio para acesso gratuito de estudantes à internet (Agência Brasil). Com relatoria da deputada federal Tábata Amaral, o projeto ainda segue em análise do Senado.  O ano virou e até agora não temos resposta do Senado, assim como um plano para a retomada das aulas.

Mesmo com o ano letivo de 2020 comprometido devido à pandemia e com os abismos sociais e desigualdades escancaradas, o apelo da campanha viral intitulada #AdiaEnem não foi suficiente para gerar diálogo com as instituições responsáveis e promover o reagendamento da prova.

“Se é seguro ir no restaurante da cidade, é seguro fazer o Enem”, foi o que disse Alexandre Lopes, presidente do Inep em entrevista para o UOL Entrevista. A justificativa dada por ele e endossada pelas instituições, foi no sentido contrário do que pleiteava a sociedade civil organizada, movimentos estudantis e uma grande parcela dos jovens estudantes de todo o Brasil.

E assim um dos vestibulares mais importantes e inclusivos do país seguiu. Neste mesmo Brasil, com mais de 200 mil mortes causadas pelo novo coronavírus, na semana em que a saúde pública de Manaus entrou em colapso, vimos no dia 17/01/2021, o primeiro dia da prova do Enem. Em paralelo, também presenciamos um dia histórico, onde a vacina da Fiocruz e Instituto Butantan foi aprovada pela ANVISA para uso emergencial no Brasil.

Quando falamos de política, falamos de futuro, de imaginação, de participação e de acesso. Qual será o futuro de milhões de jovens quando o direito à educação e à proteção não está assegurado? Não é hora de brincar com os sonhos das nossas juventudes. É hora de colocar elas, eles, elxs no centro da questão, assegurando um presente e um futuro de oportunidades, e também de uma democracia que esteja atenta à realidade, às evidências, e aos desejos dessa geração. Identificar as conexões entre política e uma prova do Enem é importante para responsabilizar nossos dirigentes e mostrar que as juventudes não estão de brincadeira; elas querem estudar, fazer uma faculdade, compartilhar conhecimento, criar pontes e futuros sustentáveis. 

Milhões de estudantes atravessaram a cidade se expondo ao vírus para realizar a prova do Enem 2020 . O MEC poderia ter usado a política e seu poder para mudar realidades, buscar escutar o que os estudantes estavam pedindo, e propor soluções diferentes para que a imaginação política de diversos estudantes pudesse se transformar em acesso à universidade. Só que não! Tivemos uma abstenção de 51% (em alguns estados esse número foi de quase 65%), estudantes sendo barrados no local de prova por falta de lugar, aglomerações, falta de medidas de segurança e falta de respostas que assegura o direito de tais estudantes de realizarem a prova. 

Diante dessa realidade, muitos jovens têm se unido para entender mais sobre como podem atuar na política justamente para que essa desorganização que vimos na implementação da prova neste ano não aconteça mais e que o acesso à educação seja garantido com qualidade e equidade.

Acompanhamos este movimento desde 2013, com as manifestações dos secundaristas e atualmente com a entrada da Geração Z (pessoas que nasceram entre 1990 e 2010) nos espaços de poder: mandatos e secretarias. Vimos também o reflexo desses movimentos nas últimas eleições onde, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o número de candidatos de 18 a 20 anos passou de dois mil e 700 em 2004 para quase quatro mil em 2020!

É o caso da Secretaria Municipal de Juventude do Rio de Janeiro, com Salvino Oliveira; da Secretaria de Promoção à Saúde da Mulher, com Joyce Trindade e sua equipe; com a eleição de jovens para vereança e cargos executivos em diversos municípios brasileiros, que mostraram outras formas de fazer e falar de política nas eleições. Temos também outras iniciativas da sociedade civil que fazem parte dessa construção, como: Politize! que fomenta a educação política a partir de textos e materiais descomplicados; Atlas da Juventude, um esforço coletivo com informações e dados importantes para construção e implementação de políticas públicas para e com as juventudes; Engajamundo, organização de liderança jovem e feita para jovens com a missão de conscientizar os jovens brasileiros no engajamento político para mudança social; Girl Up, iniciativa internacional que orienta e patrocina meninas em suas jornadas como agentes de mudança, e outras tantas espalhadas pelas redes, ruas, favelas, quebradas, quilombos, aldeias e demais territórios desse Brasil. 

E quando essa galera entra na política, não vai sozinha: leva com ela mais gente disposta a fazer diferente, a olhar os problemas do agora com soluções criativas e inovadoras, com visão de futuro, até porque é o futuro dessa galera que está em jogo; são eles, elas e elxs que vão viver neste país nos próximos 20, 25, 40 anos. E valendo!

O Enem 2020 nos mostra o quanto jovens de diferentes cores, raças, classes, territórios estão dispostos a construir o presente e um futuro diferente para o Brasil a partir do ativismo consciente e entendimento da política como ferramenta de transformação. Resta saber se nossos dirigentes atuais estão prontos a dar o espaço, condições e oportunidades de atuação de tais lideranças jovens.

Tem alguma dúvida ou ficou afim de saber mais sobre o projeto? Escreva para [email protected] 

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