Por uma democracia amefricana: mulheres negras no poder

Por Franciele Falcão

Mulheres negras se mobilizam politicamente antes mesmo do Estado brasileiro existir. Foi pela liderança de frentes revolucionárias, de comunidades quilombolas (urbanas e rurais), e na resistência cultural e religiosa, que mulheres negras tiveram papel central para construção do Brasil e da amefricanidade brasileira.

A “amefricanidade” é uma palavra criada por Lélia Gonzalez que resume a complexidade e pluralidade étnica, cultural e ancestral do povo negro e indígena latino-americano. Dessa forma, a categoria político-cultural da amefricanidade, se coloca como alternativa antirracista, reivindicando que corpos e saberes negros e indígenas estejam no centro. Ou seja, que nós, amefricanas (mulheres negras e indígenas) enquanto atrizes indispensáveis para o fazer político, possamos ocupar e participar efetivamente de todos os espaços políticos de poder e decisão. 

Jurema Werneck já dizia:

Nas periferias, nos engenhos, quilombos e aldeias, mulheres negras e indígenas desde a colonização desempenham papel central para o funcionamento dessas comunidades, ocupando a liderança e cuidando de todes. Mas, apesar da relevância da mobilização política amefricana, nossas histórias e vivências são constantemente invisibilizadas: afinal, mesmo que sejamos o maior grupo populacional (cerca de 28%), em 2023 mulheres negras correspondem a 5% das cadeiras da maior instância legislativa de decisão política do país. 

Será, então, que podemos falar em democracia se nós mal conseguimos ocupar os espaços políticos institucionais? Será que podemos falar em democracia se quando ocupamos esses espaços somos constantemente expostas ao racismo baseado em gênero? Será que vivemos de fato uma democracia se há meia década, uma mulher preta eleita foi assassinada a tiros e até hoje não temos resposta da pergunta que nos angustia: quem mandou matar Marielle Franco?

Frente aos diversos mecanismos do racismo, colonialismo e patriarcado institucionalizados pelo Estado brasileiro antes mesmo de sua criação, nossas ancestrais amefricanas criaram ferramentas de resistência que até hoje permanecem. A organização em redes feministas negras, pelas coletividades de mulheres negras, é uma das mais revolucionárias práticas de aquilombamento: nos permitindo o autoamor, a vida, a possibilidade de imaginar futuros para as nossas, apesar do racismo. O próprio lema da Marcha de Mulheres Negras de 2015  resume em uma só frase essa estratégia política: “Uma sobe e puxa a outra”. 

Podemos citar o Estamos Prontas: Mulheres Negras na Política [3], organizado pelo movimento Mulheres Negras Decidem e o Instituto Marielle Franco em 2022 como um exemplo recente da perpetuação da resistência política amefricana. Isso porque, ao organizar um espaço de acolhimento e aquilombamento que impulsiona candidaturas de mulheres negras, o Estamos Prontas da centralidade a imaginários e trajetórias de amefricanas historicamente colocadas na invisibilidade. 

Também, é inevitável pensar nas diversas mandatas coletivas de mulheres negras que emergiram e ocuparam cadeiras nas instituições políticas do Brasil. A eleição coletiva de amefricanas, apenas reitera o quanto nossa energia política é ainda mais potente quando a organização política é feita em coletivo. Muito mais do que a  representatividade: a eleição de mulheres negras representa a abertura para que novas pautas e perspectivas políticas estejam em debate nos espaços de poder. 

Mas, não basta termos poucas mulheres negras eleitas ou mesmo que nossos movimentos estejam majoritariamente fora da institucionalidade. É necessário que o Estado tome atitudes e estabeleça medidas para que de fato possamos ocupar o poder sem sofrer violências. A nomeação de Anielle Franco, Margareth Menezes, Luciana Santos e Sônia Guajajara no atual governo, é de extrema importância para os movimentos antirracistas e feministas negros, mas este ainda foi apenas um passo rumo a uma democracia que seja de fato efetiva. 

Créditos: Ricardo Stuckert


Quando falo que necessitamos de uma democracia amefricana, me refiro a uma democracia onde as vidas, as mobilizações e os corpos de amefricanas sejam acolhidos pelo sistema político, para que deixem de nos violentar, de nos matar, de nos silenciar. Manifesto: por uma democracia amefricana para que as nossas meninas negras e indígenas não apenas tenham a possibilidade de sonhar e imaginar futuros possíveis, mas que possamos tornar este futuro, presente para elas.

Franciele Falcão é articuladora do Mulheres Negras Decidem

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