O final do século XIX foi marcado por momentos históricos bem importantes para o Brasil. Um deles foi a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889. Se falamos de uma nação, falamos de uma sociedade inteira. De um grupo misto e plural de pessoas. Será que a Proclamação da República foi realmente algo transformador na vida de uma sociedade inteira?
Antes de prosseguir, é importante dizer que este texto não tem o intuito de desqualificar o regime republicano ou enaltecer monarquias e impérios. Falar sobre a História do Brasil é falar dos vários vieses que se tem (ou pode ter) um fato tão importante quanto a Proclamação da República, por exemplo. Esse olhar para o passado nos ajuda a entender o presente e, principalmente, pensar sobre o que fazer para o futuro.
O começo da República Brasileira não foi dos melhores para a população negra – que no ano anterior viu a Lei Áurea ser assinada pela Princesa Isabel – e indígena. Também não foi positivo para a população pobre do país. E falar sobre isso pode nos ajudar muito a entender o porquê das mazelas, desigualdades e injustiças cometidas contra essa grande parcela de brasileiros e brasileiras. Vamos conversar sobre?
Uma República que não era para todos
A transição do Império para a República foi tortuosa e caótica. O descontentamento com a monarquia aliada com a insatisfação dos militares com a ausência de laicidade do Brasil e a obrigatoriedade em não se posicionar politicamente foram alguns dos fatores que culminaram na queda da monarquia e na Proclamação da República. Para muitos historiadores, esse processo é lido como um golpe por parte dos militares. Apesar disso, havia outras pessoas que lutavam pela implantação do sistema republicano no Brasil como: Quintino Bocaiúva, José do Patrocínio e Benjamin Constant.
A chegada da República não mudou muito a forma como o povo negro, os povos indígenas e os pobres eram tratados. Benedito Cintra – que fundou a Unegro e um dos principais articuladores do Estatuto da Igualdade Racial – disse, certa vez, que a República foi criada para atender os anseios da elite brasileira. “A República não surgiu para solucionar os efeitos da escravidão, ela veio para atender a uma população branca e elitista. A primeira constituição republicana não tinha sequer uma linha sobre direito social ou racial, fazendo com que os negros ficassem à margem da sociedade”, disse Cintra.
O mesmo vale para os povos indígenas, que a partir da Constituição de 1891 – a primeira constituição no período republicano – foram classificados como população incapaz e dando ao Estado Brasileiro a responsabilidade de “reeducá-los e inseri-los na civilização brasileira”. Essa ideia atenta contra a cultura, a tradição, os saberes e até mesmo contra a vida dos povos indígenas brasileiros. É importante destacar que até os dias atuais, os indígenas são tratados como seres tutelados pelo Estado Brasileiro e há uma imensa articulação para que isso acabe. Grupos como a Articulação Nacional de Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) e a Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib) têm lutado constantemente pela autonomia e maior participação nos espaços de poder, como forma de garantir a participação cidadã plena de direitos.

Se hoje as notícias correm, em outros tempos elas praticamente rastejavam. Os movimentos e as articulações em prol da República se concentraram no Rio de Janeiro – sede do Império. Levar aos quatro cantos do país a notícia de que o país teria um novo sistema de governo foi uma tarefa morosa e, mais uma vez, excludente. Um dos principais veículos de comunicação da época era o jornal e os índices de analfabetismo eram muito altos. Para se ter uma ideia, a notícia da Proclamação da República demorou 24 dias para chegar no estado do Mato Grosso. O historiador Diego Gomes conta que no estado da Paraíba, a República se tornou algo concreto somente em 1929 – exatos 40 anos após a sua proclamação.
Proclamação da República e o medo da volta da escravidão: o massacre de 17 de novembro de 1889
Quais eram as garantias que o novo governo tinha para povo negro recém liberto? Foi com medo de voltar ao regime de escravidão que em 17 de novembro de 1889, homens negros foram para as ruas resistir à República. Eles caminharam pelas ruas de São Luiz do Maranhão, rumo a sede do jornal O Globo. Os jornais da época diziam que haviam “libertos” e “homens de cor” na manifestação. Registros históricos apontam que eram cerca de 3 mil manifestantes. Ao chegar na sede do jornal, os manifestantes foram fuzilados por um tropa militar composta por 12 homens. Vários manifestantes foram mortos, outros tiveram braços e pernas amputados.
Mas, porque esses homens foram às ruas protestar? O medo de voltar a ser escravizado era legítimo? Sim, era legítimo. Muitos senhores de pessoas escravizadas encontravam brechas na Lei Áurea para manter as pessoas sob esta condição em suas terras. A Lei do Ventre Livre – que declarava livre os filhos das pessoas escravizadas nascidos no Brasil – também não era respeitada e muitas crianças continuavam nesse regime de exploração. Para se ter uma ideia, muitos desses senhores prometiam indenizações para as pessoas escravizadas caso elas continuassem nas fazendas. Essas indenizações não eram pagas e essas pessoas continuavam a ser exploradas e viver em condições sub-humanas. Não havia garantias de que com a República as leis seriam respeitadas e já no Império, a população negra liberta encontrava grandes dificuldades para exercer seus direitos. Por ser algo pensado para as elites brancas, os pobres, os negros e os indígenas foram excluídos desse processo. Como resultado, tivemos execuções, direitos não respeitados, perpetuação da escravidão e outras violências que afetaram essas populações.
República Federativa e representativa: urgente e necessária
Pensar numa república que, de fato, represente e cuide de todas as pessoas é urgente em nosso país. Com tudo que foi apresentado aqui fica claro que os resultados de todo esse processo reverberam nos dias atuais. Dados recentes do IBGE apontam que a taxa de desemprego de pessoas negras era de 32,7%, enquanto o mesmo índice entre pessoas brancas era de apenas 11,3%. O percentual de pessoas negras na extrema pobreza também é maior que o de pessoas brancas: 20,4%. Dados da Organização Internacional do Trabalho também apontam que os indígenas têm 3 vezes mais chances de viver na extrema pobreza do que os que não são indígenas. Criar ações e políticas públicas para reverter esse quadro é urgente.
Não por acaso, nas eleições de 2022, houve um crescimento significativo de candidaturas indígenas, de mulheres, de pessoas negras e de pessoas pobres. As esferas de poder no Brasil precisam ser ocupadas por essas populações. Dados da pesquisa +Representatividade apontam que o número de candidaturas negras eleitas em 2022 superou o de 2018: 135 pessoas negras ocuparão o Congresso Nacional a partir de 2023. A mesma pesquisa mostra que o número de candidaturas indígenas também teve um crescimento expoente nas eleições de 2022: 4 mulheres indígenas e 1 homem indígena foram eleitos para a Câmara Federal.
Os frutos colhidos hoje são de sementes plantadas no passado. Que a representatividade e a justiça social sejam árvores cada vez mais frondosas em nossa República!
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