Precisamos, mais do que nunca, fortalecer candidaturas de mulheres na política

Por Gabi Juns e Isabela Messias

Noventa e cinco anos.  Segundo o relatório anual do Fórum Econômico Mundial, esse é o tempo que levaremos para, no ritmo atual, atingir uma representação igualitária entre homens e mulheres na política. 

Hoje, as mulheres ocupam apenas 25% das cadeiras nos parlamentos em todo o mundo. É pouco, mas, no Brasil, a situação é ainda pior: no ranking da representatividade feminina na política, divulgado em 2019 pela União Interparlamentar Internacional (UIP), nosso país estampa a constrangedora 133º posição numa lista que contempla 192 nações. Por aqui, somos a maioria do eleitorado (52%), mas estamos em apenas 15% das vagas no Congresso Nacional.

De acordo com a pesquisa Prefeitas Brasileiras, do Instituto Alziras, nas últimas eleições municipais, realizadas em 2016, 649 mulheres foram eleitas prefeitas num universo de 5.568 municípios – entre elas, apenas dez mulheres negras. E a mesma disparidade foi vista no número de candidatas. Em 75% dos municípios, apenas homens concorreram ao cargo. 

Não importa para que lado se olhe, a desigualdade em cargos de poder se mantém constantes. Nas Câmaras municipais, as vereadoras são menos de 14%. Em 25% das cidades, nenhuma mulher foi eleita para o Legislativo. Em governos estaduais, a presença de mulheres é de míseros 3% – Fátima Bezerra, do Rio Grande do Norte, é a única à frente de uma de nossas 27 unidades federativas.

Como mulheres brasileiras, sabemos que, no que diz respeito à política, as barreiras são imensas logo na entrada. A primeira delas é a falta de senso de pertencimento. Estudo feito pela ONG Elas No Poder com mulheres que trabalham na política em todo o Brasil apontou que o maior motivo de muitas nunca terem se candidatado é considerarem que “não têm perfil”. 

Crescemos escutando que esse não é nosso lugar. A sociedade sempre afirmou, e segue repetindo, que política é coisa de homem. Não faz muito tempo, o presidente do partido que elegeu nosso atual chefe de Estado vociferou que “mulher prefere ver o Jornal Nacional e criticar do que entrar na vida partidária” e que “política não é muito da mulher”. 

As que juntam coragem para erguer a cabeça e os punhos vão se deparar com obstáculo atrás de obstáculo. Para começar, as mulheres têm, em geral, menos tempo livre para a prática política em si – a dupla jornada feminina, afinal, segue como o padrão. Segundo dados da PNAD, do IBGE, trabalhamos em média dez horas semanais a mais que homens em afazeres domésticos. Depois, dentro dos próprios partidos, a violência de gênero é algo rotineiro e tratado com conivência. E existe ainda uma imensa disparidade de recursos, tanto provenientes de doações quanto do fundo eleitoral: um levantamento da FGV mostrou que mulheres gastaram quatro vezes menos que homens nas eleições de 2018.

Não bastasse o contexto que já vivíamos, 2020 ainda trouxe uma pandemia, que alterou a vida de bilhões de pessoas e vai alterar, naturalmente, a realidade das eleições brasileiras. No entanto,  assim como o vírus não atinge a todos da mesma maneira, ele também não afetará todas as campanhas por igual. As mulheres, mais uma vez, vão sair perdendo.

Com os filhos fora das escolas e a multiplicação das funções domésticas, surgiu uma espécie de terceira jornada. E as campanhas, migrando para o meio digital, podem ficar ainda mais caras – sim, mais caras. Isso porque, para fazer com que conteúdos cheguem longe, é necessário investir em produção e publicidade nas redes sociais, algo muito custoso principalmente para quem está começando e tem poucos seguidores. Ou seja: mais uma vez, quem tem menos recursos sai muito, muito atrás.

E a já mencionada falta de pertencimento se junta agora à falta de perspectiva. Continuamente desencorajadas, as mulheres se tornam mais propensas a abandonar suas candidaturas. Assim, em tempos de incertezas e ansiedades, um adiamento das eleições pode abrir ainda mais espaço para desistências.

Existe saída? Não temos dúvida. O caminho vai ser suado, mas várias iniciativas já estão em curso para tentar superar os entraves. São numerosas as iniciativas de fomento e apoio a candidaturas com novos perfis, corpos e propostas. Muitas organizações e coletivos estão atuando de diferentes maneiras para apoiar, em especial, as mulheres candidatas. Também vemos um sinal da mudança olhando para plataformas on-line gratuitas dedicadas a formar mulheres líderes, auxiliando-as a produzir campanhas políticas vencedoras e diminuindo justamente a desvantagem na hora da largada. 

Todas essas iniciativas têm em comum a mobilização, a inspiração, a conexão e o apoio como conceito centrais, além do sonho de vivenciar uma política que represente a todas nós. Pois quase cem anos é tempo demais: precisamos da igualdade agora. Mas, infelizmente, nosso trabalho não vai bastar – principalmente face a um desafio tão grande quanto o que nos espera este ano. 

É por isso que pedimos que você, leitora ou leitor, nos ouça: desta vez, mais do que nunca, votar em mulheres não vai ser o suficiente. Para transformar a política e a nossa realidade, as mulheres candidatas vão precisar do seu apoio irrestrito antes, durante e depois das eleições. 

Gabi Juns é comunicadora e coordenadora de programa do Instituto Update e Isabela Messias é mestre em Desenvolvimento Econômico e Político pela Universidade de Columbia e coordenadora de parcerias da ONG #ElasNoPoder. As organizações são parceiras na Im.pulsa, plataforma on-line gratuita que tem a missão de inspirar, conectar e treinar a próxima geração de mulheres líderes na América Latina, no ar em http://impulsa.voto


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