Recuperação Econômica com Justiça Social e Ambiental

Redação: Mônica Ribeiro; Edição: Marcelo Bolzan e Mariana Belmont.

Como os legisladores municipais podem contribuir para promover a recuperação econômica com justiça social e ambiental? Como espaço de escuta, diálogo e construção com a sociedade e com o Executivo, as Câmaras Municipais podem ter papel ativo nesse tema? E em que medida isso é possível?

Para debater o tema, o Gabinete de Inovação* reuniu Ricardo Abramovay (FEA/USP), autor de livros como “Amazônia – por uma economia do conhecimento da natureza”, “Paradigmas do capitalismo agrário em questão”, “Muito além da economia verde” e “Lixo zero”; e Duda Salabert, vereadora mais votada em Belo Horizonte nas últimas eleições. Ambientalista, vegana, se tornou a primeira mulher trans a concorrer ao cargo de senadora da república em 2018. 

Este foi o segundo dos seis painéis que reuniram especialistas da sociedade civil organizada e legisladores com equipes de mandatos de vereança eleitos pela primeira vez em 2020. 

Confira abaixo os destaques do encontro: 

Quebra de paradigma

Ricardo Abramovay destaca indícios que demonstram uma mudança de paradigma globalmente em curso a partir do Programa de Governo Biden, nos EUA, que se orienta por uma dupla direção – luta contra a crise climática e luta contra as desigualdades: 

Investimento em infraestrutura pelo governo norte americano da ordem de três trilhões de dólares – quase o PIB brasileiro -, cujo objetivo é enfrentar a emergência climática.

● Luta contra desigualdades, com programa de transferência de renda que tende a se tornar perene.

● Esforço e empenho em uma economia do cuidado, com atenção especial para famílias onde há idosos, pessoas portadoras de problemas físicos ou mentais e para os cuidadores dessas pessoas.

Municípios e cidadãos, o que têm com isso?

Abramovay destaca que são necessários planos estratégicos que redesenhem as cidades para acabar com o Apartheid urbano que caracteriza o atual momento. 

“A sinalização de que as administrações municipais têm que ter por eixo a luta contra a crise climática é também uma sinalização de luta contra as desigualdades. E de valorização de bens coletivos”. 

Cinco pontos são iluminados por ele como muito importantes na direção de juntar a luta contra a emergência climática e a luta contra as desigualdades. 

A revalorização dos centros urbanos é o primeiro ponto destacado. As regiões centrais de grandes cidades, que possuem infraestrutura muito boa, muitas vezes se encontram abandonadas. Ao mesmo tempo, as cidades têm regiões periféricas bastante espalhadas, o que traz problemas para a população e para as cidades em mobilidade e acesso a serviços. 

“Um desenho de cidade cujos centros concentram as oportunidades econômicas e a população de maior renda por um lado, e, por outro, regiões periféricas que no limite deveriam ser chamadas de pré-cidades, porque não dispõem das infraestruturas básicas necessárias ao exercício da cidadania, se consolidou no Brasil a partir dos anos 1940. Precisamos de um redesenho”.

Como segundo ponto, Abramovay destaca a necessidade de revalorizar as regiões periféricas, apontando como falsa a ideia de que a pandemia generalizou o trabalho feito a partir de casa porque o acesso à internet e rede de boa qualidade não é igual para todos. Ao contrário, a grande maioria das pessoas não tem condições de trabalhar em home office, seja por trabalhar com serviços de entrega, ou porque as regiões onde vivem não têm internet de boa qualidade. 

O terceiro ponto destacado por ele diz respeito à requalificação das construções efetivadas a partir do planejamento público. 

“Não podemos replicar, por exemplo, o que aconteceu com o programa Minha casa, minha vida, que instalou habitações – uma necessidade no Brasil, sem dúvida, precisamos de mais habitações – em locais mais baratos e, portanto, menos providos de infraestrutura, que obrigam as pessoas a fazer deslocamentos de quilômetros”.

Essa lógica mostra uma cidade desenhada em função dos carros, e não das pessoas, o que exacerba o caráter individual dos bens oferecidos pela cidade e acaba por degradar os bens públicos e coletivos, que são os que valorizam a vida urbana. 

Como quarto ponto, Abramovay sugere desestimular o uso do carro individual. Questão complexa no Brasil, onde o automóvel é uma espécie de símbolo de ascensão social, durante a pandemia o carro se tornou um bem ainda mais desejado, porque passou a ser visto como um fator de segurança. 

No entanto, ele lembra que em todo mundo, sobretudo na Europa, o uso do carro individual vem diminuindo. Cita Londres, onde há pedágio urbano, e também Paris, onde há subsídio aos cidadãos que aposentarem seus carros velhos e poluentes e passarem a utilizar a bicicleta elétrica. 

Na cidade de São Paulo, avalia que a implementação de ciclovias fez com que a conduta dos motoristas em relação à bicicleta mudasse. 

“Precisamos aumentar as faixas exclusivas de ônibus para que eles cheguem mais rápido do que os carros. É necessário integrar os transportes coletivos para que as pessoas não tenham que pagar várias vezes quando é preciso mudar de transporte coletivo. São coisas que não são simples tecnicamente, mas que são urgentes”.

Como quinto e último ponto, Abramovay diz que é necessária uma autoridade metropolitana para cuidar de trânsito, de construções e tantas outras coisas e garantir a padronização e integração necessárias à consecução de ações e políticas públicas.

Em suma, cidades sustentáveis são cidades compactas, que têm centros, no plural, e com isso permitem às pessoas terem as suas vidas nos locais onde moram. Cidades biofílicas, amantes na natureza, que ensinem aos seus habitantes o valor da natureza que existe ao redor. Crianças precisam aprender desde cedo a valorizar esse patrimônio natural que pode existir nas cidades, e que também é fator importante na luta contra as mudanças climáticas.

A experiência de uma parlamentar no município de Belo Horizonte

Eleita vereadora com o maior número de votos da história das eleições municipais em Belo Horizonte, Duda Salabert defende o diálogo com o Executivo para um planejamento mais verde e integrado na cidade, ações de educação ambiental e fortalecimento dos movimentos sociais com o suporte do gabinete. 

Duda Salabert tem cerca de 100 dias de atuação como vereadora e um primeiro desafio pela frente, proposto ainda durante sua campanha – feita sem uso de papel e impressão dos santinhos e panfletos que inundam as cidades nas eleições: plantar 40 mil árvores, número de votos conquistados. 

“A cabeça pensa onde o pé pisa. Vamos então entender onde estamos pisando. Esse momento, de crise aguda do capitalismo, potencializa duas outras crises que já estavam em curso no mundo e também, obviamente, no Brasil: a crise ambiental e a crise climática. Hoje nós estamos no pior cenário climático, ambiental e econômico da história do capitalismo”.

Partindo deste contexto, a parlamentar rememora a questão que a moveu em relação ao quadro de crise global e nacional, agravado pelos governantes dos EUA e do Brasil em 2020 e suas políticas negacionistas e anti direitos trabalhistas: o que eu posso fazer no âmbito municipal? 

Já no processo eleitoral, a pergunta começou a ser aterrissada, com a realização de uma campanha lixo zero e a proposta de plantar, caso eleita, uma árvore a cada voto recebido. 

“Trouxe a ideia da árvore como símbolo da cidade que queremos. E entendamos árvore aqui como metonímia – a parte para ressignificar o todo – do meio ambiente. Queremos tirar o ser humano dessa condição alienada em que se encontra em relação ao meio ambiente. Porque nós não entendemos que somos parte do meio ambiente, achamos que somos donos dele, e que ele é uma mercadoria”.

No diálogo com o Executivo, Duda vê caminhos para avançar. Dentre as propostas a serem apresentadas estão um plano de crescimento verde para Belo Horizonte, que preveja conservação e incremento de áreas verdes em médio e longo prazo, e também o destamponamento dos rios e córregos da cidade. 

Na Câmara Municipal, o gabinete de Duda busca formas de colocar em prática nas escolas uma educação humanitária e de bem-estar animal, buscando mudar a lógica antropocêntrica e substituí-la por uma lógica ecocêntrica. 

“As legislações são importantes, mas no campo da vereança, ainda mais importante é a fiscalização. Nós não apresentamos ainda nenhuma mudança para a legislação ambiental, mas queremos que a legislação ambiental atual seja colocada em prática. Estamos fiscalizando para evitar que a especulação imobiliária e a mineração ganhem força aqui”.

Duda destaca que uma articulação está em curso para criar uma frente intermunicipal em defesa das águas para o estado de Minas Gerais. O motivo é o projeto de um traçado de rodoanel no estado, proposto pelo Executivo. Essa frente deve atuar em sintonia na fiscalização das ações das mineradoras e de todo esse processo.

“O que tentamos fazer aqui no nosso gabinete é trazer, para o campo da política, a ciência da Academia, a ciência dos povos originários e a dos movimentos sociais. Isso constrói uma força, uma sinergia importante para a transformação. Que tem como objetivo lutar pelos direitos humanos. E lutar pelos direitos humanos significa lutar pelos direitos ambientais. E vice-versa. Não existe justiça social sem justiça ambiental”.

Qual é o papel do parlamento municipal, das Câmaras de Vereadores, na recuperação verde?

Para Abramovay, há boas experiências com parlamentares na elaboração de leis voltadas às necessidades das pessoas nas cidades. Mas além disso, percebe vereadoras e vereadores como articuladores de um movimento da sociedade civil, e destaca a organização que pode emergir desses mandatos. 

Ele cita a realização de consultas e experimentos envolvendo randomização/sorteio de cidadãos em relação a questões polêmicas. E exemplifica com casos da França e Grã-Bretanha em relação às mudanças climáticas, onde houve produção de relatórios que foram levados ao Executivo.

Abramovay destaca também o caso da Bélgica, em que cidadãos sem mandato, sorteados, trabalham junto ao Parlamento. No Brasil, destaca um movimento chamado Delibera, que vem fazendo movimentação semelhante. 

“Uma das funções importantes do representante parlamentar é buscar formas criativas de mobilização da sociedade, que não sejam burocráticas e nem passem exclusivamente pelas representações partidárias. É uma mobilização da Inteligência social de forma representativa”.

No mundo todo, vive-se um processo de perda de vínculo entre representação parlamentar e sociedade, uma crise geral da representação parlamentar na democracia, define ele. Por essa razão, é preciso “abrir a democracia”. E parlamentares que têm essa postura, como Duda, são fundamentais no sentido de dar à representação parlamentar uma substância que vem da mobilização social. 

Duda percebe a Câmara dos Vereadores como lugar de muita burocracia e pouco espaço de atuação. Por isso, destaca como principais modos de atuação a fiscalização e a luta, no campo legislativo, para não permitir a flexibilização das leis ambientais.

“O conselho que eu dou é entender a luta para além da Câmara. Mobilizando os movimentos sociais. Eu não consigo, por exemplo, proibir uma mineração via legislação. Mas temos estrutura para dar aporte aos movimentos sociais para que façam mobilizações para barrar esse tipo de coisa. Temos uma equipe jurídica que pode ajudar nisso. Nossos mandatos, que são progressistas, precisam fortalecer os movimentos sociais, porque as mudanças não vão vir da Câmara”.

Outro ponto destacado por ela como fundamental é pautar questões para a cidade. No caso da crise climática, demonstrar como ela afeta o dia a dia das pessoas. Mobilizar audiências públicas com os cidadãos para demonstrar a concretude das questões em suas vidas e atividades. 

“O que vai mudar a sociedade não é lei, mas a própria sociedade se organizando e pautando a sociedade que ela quer.”

Assista ao painel completo:


*O Gabinete de Inovação é um laboratório que reúne mandatos das casas legislativas de todo o país para construírem caminhos para a inovação nos parlamentos brasileiros. A iniciativa é do Instituto Update e Pacto pela Democracia. A edição de 2021 teve como tema “Um olhar local para o Clima”, e contou com apoio da Base.Lab, Clima de Eleições, Instituto Clima e Sociedade (ICS), Legisla Brasil, Purpose e Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS). Saiba mais em www.gabinetedeinovação.org.br 

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