O mês de março, como em todos os anos, é o momento em que são abertas as reflexões sobre as mulheres e sua ausência de poder. Milhares de conversas, palestras e homenagens são realizadas em todo o país para que discutamos quais serão as estratégias para, enfim, reduzirmos as brechas que separam homens e mulheres quando se trata de ocupar cargos de decisão.
No Brasil, apenas 17,7% das cadeiras do Congresso são ocupados por mulheres, levando-o à nada digna posição de lanterninha na América Latina, mesmo depois de 30 anos da existência das cotas que reservam 30% das candidaturas para as mulheres Diante desse cenário e do fato de que outras hipóteses – como a dupla jornada de trabalho – mostraram-se insuficientes para explicar a lacuna, fizemos um levantamento para identificar fatores outros que levam o país a estar tão aquém nessa comparação. A pesquisa +Representatividade — Reformas Políticas, desenvolvida por nós para o Instituto Update, mapeou dificuldades e oportunidades que as regras eleitorais impõem para a existência de mais mulheres (e outros grupos marginalizados) na política.
Quando comparados aos outros países latino-americanos, o que confirmamos é que a cota brasileira tem problemas no seu desenho, ou seja, mesmo que o sistema proporcional favoreça a mais mulheres eleitas, o fato de termos a lista aberta (e não fechada como diversos outros países vizinhos) dificulta a eficiência da regra. Além disso, nos faltam mecanismos que garantam a competitividade das candidaturas femininas, como no Chile; ou leis que exijam o cumprimento estrito das regras, como no México. O Brasil também está atrasado com relação a proporção de candidaturas que reserva para mulheres: Muitos países da região — como Argentina, Costa Rica e Bolívia — já têm leis de paridade, que definem que 50% das candidatas devem ser mulheres.

Partindo desse mapeamento, fomos buscar como o Congresso brasileiro lidou com a possibilidade de fortalecimento das regras eleitorais, realizando um levantamento desde 1999. Durante esse período, foram apresentados 140 projetos de lei relacionados à representação política dos grupos marginalizados, sendo que a maior parte deles (65,7%) abordava a representação política das mulheres.
Do total de 140 propostas apresentadas neste período, podemos categorizar 3 delas como de baixo impacto, 19 de médio impacto e 107 com potencial para alto impacto positivo. Dessas, apenas 9 foram aprovadas. Das 107 propostas caracterizadas como sendo de alto impacto, apenas 4 (3,7%) foram aprovadas. Ou seja, é muito esforço por novos projetos, a maioria deles em tramitação, que não conseguem concluir seu ciclo, consumindo esforços do Legislativo sem conseguir efetivar a mudança.
Esse levantamento, assim como análises em profundidade nos casos do Brasil, Chile e Costa Rica, da tese de doutorado de Malu Gatto, nos permite identificar alguns pontos. Um deles é que as mudanças nas regras que beneficiem as mulheres só conseguem ter alguma chance de sucesso quando estão dentro de outras grandes reformas. Os deputados homens podem até votar contra si mesmos, mas fazem isso enfraquecendo o desenho das reformas políticas, de tal forma a não perder seu poder relativo. Os projetos precisam contar com o apoio suprapartidário, ou seja, precisa ser uma agenda de todas as mulheres e não apenas as da esquerda, que têm atuado de maneira mais intensa no tema.
Em outra frente, as entrevistas que fizemos com atores da sociedade civil, que atuam como fundamental grupo de pressão para que as reformas sigam numa direção de mais representatividade, indicaram-nos que é necessário que organizações feministas e de outros grupos sub-representados incorporem esta agenda e façam da mesma prioritária. A Judicialização, que tem sido o caminho preferido de atuação, não necessariamente é o melhor a médio prazo.
Se queremos chegar mais perto da paridade política nos próximos anos, já se sabem algumas correções de rumo que precisam ser tomadas. É preciso garantir que mulheres recebam a parte do Fundo de Campanha a que têm direito por Lei, expandir o escopo das cotas de gênero, incluindo as eleições majoritárias, assim como punir os partidos que não cumprem as cotas nos cargos de liderança do próprio partido.
Neste mês que, por fim, saibamos que as mulheres já estão bastante empoderadas, e que o problema está muito mais nas regras do jogo, as quais continuam mantendo seu viés de gênero e prejudicando a entrada de mais e diversas mulheres na política institucional. As pesquisas mostram que, se não priorizarmos uma reforma política sólida nesta legislatura, continuaremos, por décadas, voltando a este assunto a cada março.
*Débora Thomé e Malu Gatto são, respectivamente, pesquisadora do Cepesp/FGV e Professora da UCL-Londres, e coordenaram a pesquisa +Representatividade — Reformas Políticas, do Instituto Update.
Post publicado originalmente no jornal O Globo em 09/03/2023.