Revitimização e a perpetuação da violência contra as mulheres

O termo pode ser até novo para você que nos lê, mas esta é uma prática, infelizmente, muito comum e recorrente. Para entender melhor o que é, continue a leitura.

Clique aqui e leia o relatório na íntegra

A cada 7 horas, uma mulher é vítima de feminicídio no Brasil. Este dado alarmante faz parte do relatório elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em parceria com o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). O Brasil ocupa a 5ª posição no ranking de feminicídios no mundo e somados aos demais índices de outras violências sofridas por mulheres (violências sexuais, assédios, entre outros), o que se vê é um país com políticas públicas ineficazes para combater essas violências, punir os responsáveis por tais atos e, para acolher as vítimas. É nesse contexto que a revitimização se faz presente. 

Afinal, o que é revitimização e como ela afeta o combate a violência contra a mulher?

A revitimização – ou vitimização secundária – é uma série de atos e questionamentos que geram constrangimentos nas mulheres que foram vítimas de violências de gênero. Em muitos casos, a revitimização faz com que a mulher desista de denunciar seus agressores ou de prosseguir com os processos criminais. Mas, como a revitimização se manifesta? 


Quando a mulher precisa provar que foi vítima de um crime ou quando sua palavra é colocada em xeque não só pela sociedade como também para os policiais que a recebem nas delegacias, juízes, promotores e demais agentes do judiciário e da segurança pública – geralmente, homens. Questionamentos do tipo “ah, mas você bebeu porque?” ou “com essa roupa também, né? ou “você pediu por isso também” são algumas das muitas formas de fazer a mulher ser vítima mais uma vez. Quando colocam à prova a idoneidade das vítimas para justificar, normalizar ou amenizar o ato de seus agressores também praticam a revitimização.

Questionamentos dessa natureza geram constrangimentos e faz com que essas mulheres revivam a violência que elas tentam denunciar. Constrangidas e sem acolhimento, muitas dessas mulheres seguem sem ter seus direitos defendidos, além de não receber orientação adequada para lidar com todos os males causados pelas violências. Além disso, a revitimização gera a impunidade dos agressores e criminosos, o que faz com que as mulheres estejam vulneráveis a estas violências. A Revista AzMina fez um vídeo sobre o tema e você pode conferir a seguir: 

O caso Mariana Ferrer e a lei para proteger as vítimas

Como proteger as vítimas dessa violência contínua? Existe algum dispositivo legal para isso? 

Para crimes sexuais, sim. Em novembro de 2021, foi sancionada a Lei 14.425/2021 que tem como objetivo coibir o desrespeito às vítimas e também de testemunhas de crimes sexuais. A lei altera o Decreto-lei nº 2848, o Decreto-lei nº 3689 e a Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. 

A Lei 14.425/2021 foi fruto de um projeto de lei e foi baseado no caso de Mariana Ferrer, que foi duramente humilhada e diminuída revitimizada durante o processo que investigava o crime de violência sexual praticado contra ela. Durante a audiência, a vida íntima de Mariana Ferrer foi exposta por advogados e promotores, além de sua idoneidade ter sido atacada e nem mesmo seu choro foi respeitado. Mesmo diante das provas apresentadas, o acusado foi absolvido. 

 

Revitimização, feminicídio e desrespeito ao luto: o caso de Daniella Perez

Por viver num país que ocupa a 5ª colocação no ranking de feminicídios no mundo, não é difícil lembrar de casos de crimes dessa natureza. Lamentavelmente, em casos de feminicídio a revitimização também se faz presente. 


Recentemente, o caso do assassinato da atriz Daniella Perez ganhou nova  repercussão com o lançamento do documentário “Pacto Brutal – o assassinato de Daniella Perez”. Filha da autora de novelas, Glória Perez, Daniella foi brutalmente assassinada pelo ator Guilherme de Pádua e Paula Thomaz – na época, esposa do ator. O crime aconteceu em dezembro de 1992 e passados 30 anos, Daniella segue sendo alvo da revitimização.

No documentário – que está disponível na HBO Max – Glória Perez, Raul Gazolla (viúvo de Daniella) e outras pessoas ligadas à vítima contam como a investigação deste crime foi conduzida não só pelas autoridades policiais como também pela imprensa, numa mistura da história de Daniella com a de sua personagem Yasmin – na novela De Corpo e Alma– que viveu um romance com a personagem do seu algoz, escrita pela mãe da atriz e exibida no horário nobre da TV Globo. 

Na época, vários veículos de comunicação noticiavam o caso de maneira fantasiosa, usando cenas da novela, de forma tendenciosa e que reforçava a alegação do assassino de que Daniella o assediava – quando, na verdade, era a atriz quem era constantemente assediada a ponto de pedir para seus colegas que não a deixassem sozinha com ele. 

É importante dizer que o crime aconteceu numa época em que não havia internet, redes sociais e que a televisão e os jornais impressos eram os principais meios de comunicação. A busca por vendas de exemplares de jornal e de audiência nos telejornais reforçou a versão contada pelo assassino. 

No mesmo período do crime, o Brasil vivia um momento emblemático na sua história: o processo de impeachment de Fernando Collor de Mello e sua renúncia à presidência do país.

A ideia de que Daniella tinha um suposto caso com seu assassino permanece viva, mesmo após 30 anos do crime,  no imaginário social e cabe aos familiares – especialmente, a mãe da atriz – fazer esforços continuados para provar que isso não é verdade. 

Essa é uma das muitas formas de fazer com que Daniella Perez e sua família sejam revitimizadas. 

O documentário mostra também que as investigações sobre o crime foram levadas em frente graças à pressão e ao empenho pessoal de Glória Perez. De acordo com a produção, o carro em que Daniella foi morta não foi periciado e um de seus pertences – uma bolsa com bilhetes do assassino e cerca de 6 mil dólares – nunca  foi encontrado. Além disso, mesmo com todos os indícios e provas testemunhais de que havia mais uma pessoa na cena do crime, a  então esposa do assassino –  a polícia só a investigou após pressão popular e seu depoimento só foi colhido em juízo.  

Nesse contexto político e social que Glória Perez mobilizou o país para um abaixo-assinado pedindo a inclusão de homicídios qualificados na lista de crimes hediondos. 

Num período sem internet e com uma grande movimentação política acontecendo ao mesmo tempo, Glória Perez conseguiu 1,3 milhão de assinaturas em papel, de pessoas de diversos lugares do país, para levar em frente a sua solicitação. A Lei de Crimes Hediondos faz parte da Constituição Federal de 1988 e na época de sua promulgação a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas e o terrorismo compunham a lista de crimes hediondos. Embora a mudança na lei não tenha sido válida para o caso de Daniella Perez, essa foi uma importante conquista na busca por justiça no país. 

O caso mostra também que a revitimização desrespeita o luto dos familiares – que precisam reviver o caso e enfrentar as estruturas impostas pelo machismo e pela misoginia para defender a memória de suas entes queridas por muitos e muitos anos, como as inúmeras tentativas de violar o túmulo de sua filha – algo que é previsto como crime no Código Penal Brasileiro passível de reclusão de 1 a 3 anos. 

Caso você conheça alguma mulher que necessite de ajuda para lidar com qualquer violência sofrida, acesse o Mapa do Acolhimento para encontrar ajuda especializada. Você também pode procurar a Central de Atendimento à Mulher para denunciar alguma violência sofrida e buscar orientações sobre a Lei Maria da Penha – que é o principal mecanismo para coibir, prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher.  

E você, o que pensa sobre este assunto? Deixe aqui nos comentários a sua opinião. Para conscientizar outras pessoas sobre a revitimização é importante que todes saibam sobre esse tema. Por isso, não deixe de compartilhar este post nas suas redes sociais. 

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