Embora sejam a maioria da população brasileira e do eleitorado (52,5%), as mulheres ocupam apenas 15% das vagas no Congresso Nacional. Desses 15%, 64% das eleitas deputadas federais em 2022 são brancas. Ainda assim, houve um crescimento muito importante no que diz respeito à questão étnico-racial: as pardas, pretas e indígenas chegaram a, respectivamente, 17,6%, 14,2% e 4,4% do total.
Teremos, em números absolutos, quatro deputadas federais indígenas a partir de 2023. Pode parecer pouco – e, sim, é muito pouco. No entanto, quando lembramos que até este ano uma única mulher indígena havia sido eleita para a Câmara Federal – a grande Joênia Wapichana, em 2018 –, fica evidente que uma mudança está em curso. Mas ainda há muito trabalho a ser feito.
Foi para colaborar com esse trabalho que o Instituto Update criou o programa +Representatividade, que desenvolve intercâmbios, formações e mentorias para iniciativas suprapartidárias de apoio a candidaturas de pessoas negras e indígenas, prioritariamente de mulheres, a partir de uma agenda antirracista e progressista. A proposta é oferecer conteúdos e capacitações para equipes de campanhas e mandatos políticos diversos e inovadores, acelerando a curva de aprendizagem desses profissionais e possibilitando o enfrentamento das barreiras de acesso e a resiliência na política institucional.
Em parceria com a Articulação Nacional das Mulheres Guerreiras da Ancestralidade – ANMIGA, o +Representatividade realiza o Projeto de Formação Indígena. A ANMIGA é uma rede composta por mulheres indígenas dos seis biomas brasileiros, conectando saberes, tradições e lutas pela garantia dos direitos e da vida dos povos originários. Juntas, elas lutam para estar cada vez mais à frente de ações dentro e fora de seus territórios, ampliando sua representatividade nos espaços políticos por meio de organizações, conselhos participativos da sociedade civil e, a partir das eleições deste ano, na política institucional.
Um dos desdobramentos dessa parceria foi o I Seminário das Originárias da Terra, que, entre os dias 14, 15 e 16 de outubro, reuniu dezenas de indígenas mulheres que se candidataram nas eleições de 2022, entre elas as deputadas federais eleitas Sônia Guajajara e Célia Xakriabá. Foi um fim de semana inspirador e repleto de trocas de experiências, ideias e conexões para acolher, motivar e dar visibilidade a mais mulheres indígenas no cenário político.

Como bem colocou Célia, a primeira e maior vítima do governo Bolsonaro foi uma mulher, a Mãe Terra. Portanto, ser mulher e indígena na política hoje é ter coragem – e essa não é uma escolha, trata-se da única via possível. Pois, tanto para as que ainda virão quanto para as que já estão por lá, os desafios na política são e serão inúmeros.
“Nossa luta não se encerra com os resultados das eleições, esse é só o começo”, ressaltou Sônia. Ela deixou claro que o importante não é o cargo a ser ocupado, tampouco uma carreira política a ser seguida, mas as pautas que serão levadas para dentro do Congresso Nacional. A grande missão é mudar a consciência das pessoas e a dinâmica da sociedade, construindo uma política com mais representatividade que possa enfim olhar para além dos interesses das classes historicamente dominantes em nosso país. É, em outras palavras, articular o que é de interesse dos povos indígenas e desarticular o que ameaça não apenas os seus direitos, mas as suas vidas. Pois a destruição desenfreada das florestas, principalmente a partir da mineração ilegal, é uma ameaça direta à sobrevivência das comunidades indígenas e ribeirinhas.
Foi particularmente emocionante quando Célia Xakriabá iniciou sua fala entoando um canto tradicional e frisando que será esse o seu hino no Congresso. “Vamos continuar cantando, pois nunca tivemos um microfone no lado de dentro da Casa para tomarmos as nossas decisões”, disse. Pela primeira vez no país, Câmara, ruas e florestas estarão unidas nas mesmas vozes. É essa a política que queremos, é essa a política que vai construir o Brasil de que precisamos.
O espaço aqui é curto demais para contarmos tudo o que ouvimos e sentimos durante o encontro. Mas fazemos questão de citar os nomes os de todas as que falaram e nos tocaram: Ceiça Pitaguary, Braulina Baniwa, Eliane Xunakalo, Juliana Jenipapo Kanindé (Cacica Irê), Jaqueline Kaiowá, Jozi Kaingang, Kerexu Yxapyry, Larissa Pankararu, Leonice Tupari, Marciely Tupari, Puyr Tembé, Shirley Krenak, Simone Karipuna, Telma Taurepang e Vanessa Xerente. A troca se tornou ainda mais rica com as vozes globais de Celestina Castillo, deputada mexicana, Engracia Pérez Castro, coordenadora da Asamblea de Mujeres Indígenas de Oaxaca – AMIO, e Rosita Aguiar, ex-prefeita de Reforma Pineda, no México, e Elisa Loncón, que foi presidente da Convenção Constitucional chilena.
É com uma frase de Elisa que encerramos este texto: “Há lutas que são travadas localmente e outras que precisam ser articuladas de forma global.” A luta das mulheres indígenas na política é uma luta pelas florestas de pé, pelos rios, pelo Brasil, pelo planeta.
O I Seminário das Originárias da Terra foi apenas o começo.
Elis Nascimento é assistente do Projeto de Formação Indígena do programa +Representatividade, do Instituto Update
Ingrid Farias é coordenadora do programa +Representatividade, do Instituto Update