Violência de gênero é o grande desafio para as mulheres na política

Quando nós, do Instituto Update, percorremos a América Latina para produzir a série e o estudo Eleitas – Mulheres na política, conversamos com dezenas de mulheres inovadoras ocupando espaços de poder. Se, por um lado, foi uma experiência inspiradora, por outro fez com que nos deparássemos com um dado assustador: 99% das nossas entrevistadas afirmaram já ter sofrido algum tipo de violência.

Qualquer tipo de agressão utilizado para privar uma mulher – seja ela cis ou trans – de exercer seu direito político de votar e ser votada faz parte de uma forma específica de violência: a violência política de gênero. 

Talvez o número de mulheres na política com quem falamos que evidentemente sofreram esse tipo de violência seja ainda maior que 99%. Como disse uma senadora mexicana, “acho que todas nós, mulheres que estamos na política, já sofremos violência de gênero. As que dizem que não, é porque não a reconhecem”.

Imersas em uma cultura patriarcal, muitas mulheres simplesmente não enxergam o machismo estrutural e institucional ao seu redor. A violência política de gênero, afinal, atua das mais diversas maneiras: pode ser psicológica, sexual ou física, abrangendo desde sutis comentários sobre aparência de uma mulher e silenciamentos a estupros e assassinatos. 

E não é exagero dizermos que, hoje, no mundo todo, seja esse o maior desafio para as mulheres na política.

Mais de 80% já sofreram violência psicológica

Uma pesquisa conduzida em 2016 pela União Interparlamentar, envolvendo deputadas de 39 países, revelou que 81,8% das entrevistadas já foram vítimas de violência psicológica no ambiente de trabalho, enquanto 44,4% relataram ter sofrido ameaças. Mais do que isso, cerca de 23% das mulheres ouvidas afirmaram ter enfrentado violência política dentro do parlamento. Para 3,7% delas, as agressões atrapalham seus mandatos.

No Brasil, a situação é ainda mais grave. Um levantamento de 2020 da ONU Mulheres Brasil mostrou que 82% das mulheres em espaços políticos já sofreram violência psicológica, enquanto 45% foram alvo de ameaças e 25% chegaram a sofrer agressões físicas no espaço parlamentar. De todas elas, 40% afirmaram que a violência afetou sua agenda legislativa.

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Créditos: Cfemea

O problema, em muitos casos, pode ter início no âmbito familiar, onde muitas mulheres sofrem pressões para não ingressar na política, sendo alvo de ameaças verbais, intimidação e coerção econômica. Foi o que aconteceu com uma deputada brasileira que entrevistamos para o Eleitas, conhecida por sua luta em prol da igualdade racial. “Eu ouvia isso até mesmo da minha própria família. A cada derrota, eu voltava para casa arrasada e minha mãe e outros familiares diziam: ‘Deixa isso pra lá, você não vê que é muito difícil? Deveria desistir da política porque é muito doloroso’”, relatou.

O ambiente predominantemente masculino na política também não é receptivo à participação das mulheres na tomada de decisões. Uma senadora argentina compartilhou conosco que, mesmo tendo ocupado o cargo de vice-governadora de uma importante província argentina, continuou sendo constantemente desrespeitada. “Todos os dias havia piadas machistas, comentários irônicos. Eles se olhavam entre si. Colocavam-me à prova em cada reunião, quando havia quatro mulheres e apenas dois homens presentes.”

Tudo isso cria um ambiente hostil e desencorajador para as mulheres interessadas em ingressar na política institucional. Então, para que mais mulheres sejam representadas no poder, isso precisa acabar – e rápido.

A violência política de gênero é motivada pelas expectativas sobre o papel que a vítima deveria ocupar na sociedade. Os agressores acreditam que o único lugar que a mulher pode ocupar é o da submissão. Nesse sentido, a violência política de gênero é uma extensão da violência sofrida pelas mulheres no dia a dia. A diferença é que, na política, o dano potencial é ainda maior que em outras esferas: impedir os direitos políticos das mulheres é bloquear um futuro que as mulheres com consciência de gênero vêm batalhando para construir. Em outras palavras, calar uma mulher na política faz calar muitas mulheres do lado de fora.

Violência política de gênero é crime

A violência política contra a mulher passou finalmente a ser tipificada como crime em agosto de 2021, quando foi sancionada a Lei n. 14.192.  Desde então, em um período de 15 meses, até novembro de 2022, o Ministério Público Federal (MPF) registrou sete casos de violência política de gênero a cada 30 dias.

Mas, aos poucos, as coisas estão mudando. No mesmo ano de 2021, na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), o deputado Fernando Cury foi suspenso após importunar sexualmente a colega Isa Penna em pleno plenário – um caso inconfundível de violência política de gênero. Graças à mobilização da sociedade civil, pela primeira vez um caso do tipo foi punido numa casa legislativa brasileira. Agora, a meta é fazer com que esse seja o padrão.

Para entender melhor esse grande desafio da violência política de gênero, acesse o estudo Eleitas – Mulheres na Política e assista o episódio da série sobre o tema.

E conheça também a Im.pulsa, plataforma desenvolvida em parceria pelo Instituto Update e o Elas No Poder dedicada a ajudar com que mulheres diversas entrem e permaneçam na política institucional brasileira e latino-americana – enfrentando barreiras como, entre outras, a violência política gênero.

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